terça-feira, 6 de novembro de 2012

O novelo

Chamou a miúda que se encontrava do outro lado da sala para a ajudar a desfazer a meada de lã num novelo.
 A criança, magricela e de tez morena, correu apressadamente desde o outro canto da sala, ao encontro da mulher, e como que num ápice aprontou-se a esticar os braços, pronta e de braços bem esticados, mãos erectas, dedos esticados, e de língua de fora. A miúda tinha desta forma o corpo quase colado contra o corpo da mulher, o queixo pontiagudo da mulher tocava-lhe (sem esta querer e notar) a testa, e enquanto a mulher desfazia a meada, a miúda ia desviando lentamente o olhar sob o novelo que esta ia enrolando, levantando-o de vez em quando de encontro contra a face da mulher, e assim a miúda observava-lhe perplexa com os seus olhos de criança, as rugas profundas, quase como grandes cavidades situadas ao lado dos cantos da boca da mulher.
- Celeste!.Chamou a mulher outra vez. pressentindo que a miúda já devia estar distraída outra vez, a miúda baixou rapidamente o olhar, respondendo num tímido - sim, minha senhora! e a mulher acrescentou á conversa - Mexe mais os braços, senão hoje não me despacho, a pedido da mulher a miúda obediente e servil, mexeu um pouco mais depressa os braços em grandes movimentos largos e circulares, tentando acompanhar desajeitadamente o seu corpo de criança ao ritmo apressado com que a mulher engenheiradamente desfazia a meada de lã e a ia transformando num novelo.
 Como estavam perto uma da outra, quase corpo colado contra corpo, cada vez que a mulher baixava a cabeça para poder enrolar mais depressa o novelo, a nuca da mulher, tocava o queixo da miúda, e a miúda por ser curiosa e por querer, cheirava lhe discretamente o odor, fumarento e quase seboso do cabelo grisalho que esta usava num carrapicho preso em baixo da cabeça, agarrando-o com travessas de cor castanho escuro.
Cada vez que a mulher se baixava, para conseguir enrolar melhor o novelo, ora para o lado esquerdo ora para o lado direito, o cheiro familiar do cabelo da mulher, invadia as narinas da miúda e neste momento a miúda pensava que não devia ter medo a mulher, pois o cabelo da mulher tinha quase o mesmo cheiro de todas as outras pessoas que ela conhecia.
 - Celeste! A mulher chamou a atenção da miúda outra vez, adivinhando que a miúda já devia estar outra vez distraída, e continuou a conversa, murmurando entre os dentes. Quando murmurava, a mulher falava sem se dirigir especialmente a ninguém, falava sempre como se a miúda ali não estivera, coisa muito típica entre as pessoas do campo e daquela época, e acrescentava ao monólogo - Hoje, não sei que fazer para a ceia, é que o Sr.doutor, não gosta de comidas pesadas, parece que lhe provoca a azia. A miúda, não respondia, sabia que não eram perguntas, as quais ela podia responder ou opinar e sujeitava-se assim então á sua condição  de ser pequeno, trabalhador, mudo e obediente.
 A panela de pressão, apitou, ao mesmo tempo que se tinha terminado de desfazer a ultima meada, o novelo terminádo grande e de cor azul escuro, foi colocado ao lado de outros vários novelos da mesma cor e de mesmo volume, dentro de uma cesta de verga perto do fogão da sala de jantar. A mulher bateu as palmas das suas mãos secas e magras, quase transparentes, as veias grossas e azuladas das mãos pareciam-lhe querer explodir por baixo da pele fina e velha como vulcões em errupcão.
O bater das mãos significava que a mulher estava alegre por se ter desfeito a ultima meada, e servia como aviso á miúda, que a próxima tarefa do dia se seguia. A ceia. A mulher continuava falando como se a miúda ali, não estivesse, sempre dando ordens e instruindo-a nas tarefas da casa e continuava o monólogo limpando as mãos ao avental e dirigindo-se em passos pequenos e suaves da sala de jantar para a cozinha. A miúda pequena, magra e tímida seguia-a cautelosamente sempre uns passos atrás. Tentava acompanhar nervosamente e em vão os passos da mulher com as suas pernas curtas e magras.
A mulher continuava a conversa. Falava baixo, quase sempre em murmúrios, falava da importância da lida da casa, das dificuldades na preparação da ceia do Sr Doutor que sofria de azia, da escassez dos alimentos na mercearia da Teresa Rita. Falava, gesticulava, mas sempre com movimentos lentos, quase como demasiado dóceis ou finos para a época que se vivia e para a pessoa que se tratava. Ás vezes a mulher olhava para a miúda, e a miúda olhava para a mulher, quando ambos os olhares se cruzavam, liam o pensamento uma da outra e sem palavras só com o olhar, diziam uma a outra que não podiam ser amigas. As vezes havia no olhar da mulher um certo carinho e ternura pela miúda, mas a ternura e a docilidade, não era coisa própria daquela época. Abriu-se a panela de pressão, a mulher desviou a tampa com cuidado, como que se tivera medo que o vapor quente que saia da panela lhe pudesse queimar a cara.
A miúda pequena e ao lado da mulher seguia-a atentamente na preparação da ceia. A mulher questionava-se enquanto pegava na carne e nos enchidos e os despejava com cuidado para a panela regando-os de azeite, sal e agua e questionava-se. - Não sei se será suficiente? o Sr Doutor não come muito por causa da azia, mas a menina Margarida e os meninos, são de muito apetite e enquanto falava deitava grandes punha dos de feijão, depois fechou a panela com força, mordendo o lábio inferior, como a modos de ajudar o difícil acto de fechar a panela, enquanto mordia o lábio inferior o queixo da mulher parecia aos olhos da miúda, ainda mais pontiagudo, e a miúda assim de esguelha olhava para ela e observava-lhe o queixo muito aguçado dando-lhe vontade de rir.
A mulher lembrou-se de repente da presença da miúda e deu-lhe ordens outra vez, desta vez para por a mesa, pois os meninos, a menina e o Sr Doutor, já deviam estar a chegar.
Alguns minutos mais tarde, a porta grossa e pesada da entrada da casa soou, a mulher pediu á miúda para ir ver quem era, a miúda em passos curtos e rápidos foi abrir a porta, momentos depois voltou para dentro até á cozinha junto do fogão, onde a mulher ainda andava ás voltas com os preparativos da ceia, a mulher voltou-se e olhou para trás para a miúda que se encontrava com os seus braços delgados, caídos e com as palmas da mão juntas (como que a medos da reacção da mulher) a miúda permanecia atrás da mulher que preparava a ceia, esta voltou-se para trás e perguntou á miúda. - Então quem era, Celeste? a miúda respondeu:
- era só o vento, minha senhora.
 A mulher voltou-se de novo para a frente e continuou  a preparacão da ceia...

o novelo

terça-feira, 9 de outubro de 2012

depressao

...Mais uma vez te digo que não me pecas nada que não te possa dar. Voltastes as costas ao mundo e tentastes percorrer sozinha as escadas da vida.  Mas olha rapariga que os degraus são curtos, são curtos e íngremes....vê lá se não cais.  Pronto, segura- te aqui ao meu braço, segura- te mas sem me magoar... não, não me espetes essas tuas unhas longas e pontiagudas no meu antebraço...ai ai ta a doer. Pronto já sei ficastes chateada, tas a ver como eu tinha razão? a ti nada se pode dizer, depois ficas pra ai com essa tua  expressão de quem tá magoado a pensar que sou eu a má da fita.
Tu não vês que sou tua amiga? vim te agora mesmo visitar, estou aqui no teu quarto sentada ao teu lado na cama. Não te queres levantar e ir comigo ver o sol da varanda? não, não te apetece....preferes ficar aqui amochada  de trompas, sem vontade de falar e com pena de ti própria. Digo te que já não sei que fazer...quando eramos pequenas e estavas triste, contava- te uma historia ou outra e tu lentamente ias mudando de feições, até ao limiar de um pequeno sorriso.... mas agora que crescestes e tudo mudou, já não é fácil fazer- te sorrir...
Gostava de te perguntar o que posso fazer para te alegrar, mas os teus olhos dizem tudo...dizem tudo e eu hoje já não preciso de palavras tuas, já não preciso de palavras tuas nem de gestos teus, só queria que no dia "hoje" os nossos olhares se pudessem encontrar discretamente e com a aprovação do teu olhar eu pudesse abrir as janelas do teu quarto para tu puderes respirar e expirares essa tua depressão pega jante, pegajante e viral. Mas a ti nada te importa...sabes que és uma egoísta, uma egoísta masturbadora do teu umbigo? uma masturbadora da tua depressão... desculpa lá o que disse, mas mais uma vez fizeste-me ficar chateada, é que me sinto impotente neste teu quarto. Sinto-me impotente a teu lado na cama... mas tu sabes que podes escolher. Espera ai.....acho que bateram a porta. Espera ai que vou abrir....não era ninguém afinal, se calhar brincadeira ou publicidade. Mas e agora aonde é que tu estas? não te encontro. Já não estás na tua cama, nem no teu quarto, simplesmente abriste a janela sem me avisar...ai mas que frio e que vento! penso que amanha deve chover...mas aonde é que tu estás? continuo sem te ver....ah...ah..sim...sim...já te vejo..olho da janela do teu quarto para baixo e já te vejo...sim..sim és tu, és tu.lá em baixo. Conheci te pelo vestido branco e pelo cabelo curto escuro e á rapaz....sim, sim és tu e o teu .corpo está estendido sob a calcada.....tu estás estendida sob a calcada,.fostes para ai dormir, não faz frio? ahahaha pois é... eu sei que sempre gostastes de dormir ao relento.....


quinta-feira, 21 de junho de 2012

A fotografia

Naquela fotografia ao principio éramos quatro, eu, tu, a filha e o cão ...tu foste-te embora, a filha habitou-se a crescer e a viver sem ti, o cão morreu, e eu fiquei, eternamente triste e a chorar sem saber qual o caminho a percorrer e qual o destino a abraçar..e tu algures, longe e além, a pensar que eras o homem mais feliz do mundo.....e sem o ser.
Aquela fotografia do principio era irreal, não existia, mas eu não sabia. Pensava que íamos ficar eternamente juntos, como na fotografia, mas a fotografia ia mudando lentamente á medida que o tempo passava...umas vezes eu também desaparecia da fotografia, ia mas voltava...e nesse instante, do meu desaparecimento tu ficavas na fotografia a sós com a filha e o cão. Eu desaparecia, mas voltava, desaparecia só por algumas horas, tinha que ter tempo de pensar e de poder voltar. Outras vezes eras tu que desaparecias mas nunca só, (acho que sempre tivestes muito medo da solidão). Desaparecias umas vezes com a filha outras vezes com o cão...outras das vezes com a filha e o cão. Mas voltavas, voltavas sempre e eu ficava tranquila a pousar na foto e á tua espera, á vossa espera. Sabia que voltavas, sabia que voltavas e é por isso k sempre que olho a nossa fotografia do principio eu estou sempre sorrindo...Nunca gostei muito de sorrir, nem muito menos de rir para fotos, sempre achei estranho que  muita gente possa ser assim:.um, dois, três, sorria. Sorria para a foto, sorria porque está a ser fotografado. Mas aquele sorriso da nossa  primeira fotografia eu estou sorrindo, porque sempre pensei que voltarias e não pensei que tinha que sorrir, senão por acaso talvez não pudesse ter conseguido sorrir.
Infelizmente a fotografia desapareceu e ardeu para sempre. Mesmo que queiramos, eu, tu a filha e o cão já não existem, já não existimos na fotografia, a fotografia simplesmente morreu, desapareceu, ninguém a rasgou ninguém a ardeu, ninguém a perdeu simplesmente já não existe! Apenas foi o tempo que a matou e a cortou aos pedaços. Já ninguém está parado na fotografia á espera de nada nem de ninguém...simplesmente fomos saindo da foto um a um...primeiro tu, depois eu e a filha e por fim o cão...simplesmente o tempo e a circunstancia das coisas, separou-nos, e atirou-nos contra caminhos diferentes....))

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A viagem



Quando tinha vinte anos, decidi nas ferias de verão com a aprovação (pendente dos meus pais) viajar pela Europa,. segundo as minhas "francas e honestas" palavras: tinha como intuito de ir fazer vindima em Franca e voltar.
Sendo assim nas ferias de verão de 89, acabei por fazer essa viagem na companhia de uma amiga. Não posso dizer que eu e a minha amiga  acabamos por viajar como  que num "inter raile", Porque alguns dias antes da nossa viagem, como que num ápice e no meio de alguma gente conhecida, a minha carteira desapareceu com todo o dinheiro que eu tinha para a viagem. À minha amiga restava-lhe algum dinheiro das ferias do verão, que solidariamente quis compartilhar comigo, mas com a falta de fundos vindos da minha parte e feitas as contas, não tínhamos dinheiro quase para comer,  muito menos para bilhetes de comboio.
 Decidimos então dar a volta á coisa,  não desistir da viagem, e viajar de forma mais barata.  À boleia e sem destino!

Nunca é difícil andar á boleia quando sê é jovem e muito especialmente se pertence ao sexo feminino, de maneira que não foi difícil termos acesso a  boleias directas e de longo percurso. Estilo:um autocarro vazio destinado ao transporte de turistas (dentro da Europa), só para nós. Mas houve várias vezes que viajamos com camionistas, nessa altura combinávamos eu e a minha amiga,  não adormecer  ao mesmo tempo. Embora tenham sucedido algumas situações onde as palparas não quiseram obedecer ao cérebro e teimaram em baixar, assim seja, a divina promessa feita entre as duas de não adormecer ao mesmo tempo, foi supostamente anulada,  mas a sorte deve ter falado muito alto nesse verão de 89, porque perante tantos actos impensáveis, chegamos as duas sãs e salvas ás seis da manhã á Holanda, a uma quinta onde havia algumas vacas  a pastar. No dia anterior, Tínhamos acabado de sair da cidade  Madrilena (sob a arrasadora temperatura escaldante de quarenta e dois graus) e chegado no dia seguinte á Holanda numa manhã, triste cinzenta e amena, tipica de verão do norte. Já tínhamos passado por vários países. Mas como na realidade ninguém nos esperava, nem tínhamos destino nenhum, a Holanda seria então o nosso "Eldorado", segundo nós, a meta final da nossa viagem. A Holanda era na altura, dos anos oitenta /noventa, proclamada pelos jovens mais alternativos da  Europa o pais das maravilhas. Uma experiência fenomenál de uma Europa um pouco menos-clássica, e mais liberal!

Retornando o pensamento a Madrid. Lembro-me do calor infernal que fazia nesse ano em que viajei de 1989 do mês de Julho, na cidade de Madrid. Nada pior que uma cidade do sul da Europa, cimentada a ferver e a borbulhar calor, no mês de Julho ou Agosto. Sou um pouco como as cobras, adoro o calor, e tal como estes bichos, não me deito no meio de uma estrada cimentada de papo para o ar a torrar ao sol, (porque parece mal e pode passar um carro), mas nesse verão Madrid ardia. O calor era tão intenso que o meu cérebro estava proibido de pensar, o corpo de gesticular e o ritmo cardíaco galopava a cem á hora. Nesse  momento á boleia e á beira de uma estrada , só desejava uma coisa: uma brisa de ar fresco, atirar a mochila poeirenta e pesada contra a terra seca e gretada pelo sol. Baixar o dedo, fugir dali para fora e atirar-me ao mar!
Passado uns dias e já na Holanda. Num dos largos principais de Amesterdão, conhecemos uns "freaks" que tal como nós vendiam umas coisas mais ou menos feitas artesanalmente. Eu e a minha amiga já não tínhamos quase dinheiro nenhum e andávamos á vários dias a comer comida "Krisna" ( comida gratuita mas detestada por ambas). Nessa altura e em Amesterdão, vivíamos num apartamento emprestado por um "Raster" que conhecemos, e que teve a gentil subtileza de nos emprestar o apartamento de um  amigo. Nós já conhecíamos Amesterdão, e achamos que já não havia muito mais a fazer naquela cidade, para alêm de andar de bicicleta, olhar moinhos,  tulipas, e beber chá em cofee shops. Combinamos então com os nossos amigos "freaks",  viajar com eles até á Dinamarca a um  popular festival de musica e voltar para a Holanda terminado o Festival!. Decidimos entre as duas, que as nossas mochilas ficavam pela Holanda na casa emprestada, pois a viagem até á Dinamarca, seria curta e rápida e ambas estávamos muito fartas de andar como que em preguinacão com as mochilas pesadas ás costas por todos os lados. Mas o destino ás vezes é irónico. Nunca mais vimos tais mochilas com todos os nossos pertences (incluindo fotografias nossas) e nunca  mais voltamos as duas juntas á Holanda.

Chegada a Copenhaga ás duas da tarde num carro de aspecto duvidoso e de matricula Holandesa: uma alemã, dois israelitas, e duas portuguesas. indivíduos entre os 18 e os 30 anos, paragem obrigatória pela policia, todos obrigados a sair do automóvel, todos para a esquadra. Alguns minutos depois, fechados numa cela, sessão de fotografias, tirada um a um.
Eu: ar assustado e infeliz. A minha amiga: ar ainda mais assustado e ainda mais  infeliz. Os restantes passageiros: cara de quem já tem calo no assunto, e passou varias vezes por essa situação..
Suspeita: possibilidade de posse de produtos fumados ilícitos. Resultado da busca efectuada pela policia: nada encontrado.
Resultado final: libertos após 5horas claustrofóbicas de cativeiro e de sessões estupidamente fotográficas.

Nunca voltamos à Holanda, não tivemos dinheiro para o barco e entretanto, perdemo-nos dos restantes amigos de viagem. Para bem dos nossos pecados, (sem dinheiro algum e somente na posse dos nossos míseros bilhetes de identidade), encontramos em Christiania (aldeia alternativa em Copenhaga oriunda dos anos 60) um português que tinha um bar algures na cidade de Copenhaga. fomos viver para o apartamento dele, pois após um mês e meio de viver em Christiania, começamos a ficar fartas de dormidas ao relento ou de dormir em casas feitas de ramos de árvores, casas essas alternadamente sustentáveis por esses mesmos ramos ou de dormir em  buracos  imensamente profundos, escavados na terra.estilo: Habitat de toupeira, o qual  nós chamávamos de casas. Saímos felizes de Christiania. Saímos de Christiania, só após dois meses, felizes por termos encontrado um português simpático que parecia pertencer á nossa tribo e orgulhosas pelo nosso novo look, de  pircing nasal, evento esse, que marcava a diferença nos anos 80.......


quinta-feira, 24 de maio de 2012

O ourives



Um dia um amigo meu, que tal como eu também gosta de escrever, escreveu uma frase que gostei muito, e que ficou aqui guardada para quase todo o sempre na minha memória, a frase dizia o seguinte:  "sou um ourives de palavras". Gostei da frase do meu amigo, que me fez  logo saltar à imaginação, num cenário pequeno e difuso, um homem de meia idade, pequeno, magro, calvo e quase careca, trajando um colete sem mangas de cetim negro e trabalhando arduamente em frente a um fogão de uma oficina de ourives, mexendo, polindo e lustrando...palavras!

Gotas de suor, caem-lhe pela testa abaixo, está calor, na oficina do ourives, o fogão está ligado, a água ferve...as palavras são lançadas uma a uma, dentro da frigideira coberta de água com sabão, e como o próprio ourives diz: - É para ficarem mais polidas, lustradas e brilhantes, assim não nos irá faltar a clientela...

Fico contente com a observação inteligente e perspicaz do ourives, mas apesar do ourives, ter experiência no assunto das palavras, e à medida que este as lança na frigideira, as apruma, lustra e pole, estas vão se derretendo e sumindo lentamente, uma a uma. - Pode ser do calor. diz o ourives assustado. - Há que ter cuidado...continua dizendo suspirando....

Por uma questão de precaução, baixou-se o fogo, agora mais baixo e lento, o ourives, continua o seu árduo trabalho, de lançar palavras na água com sabão a borbulhar na frigideira. O ourives num monólogo vai- se precavendo a si próprio, dizendo: - Há que ter cuidado com as palavras que lançamos e com as frases que construimos, e acrescenta ao monólogo: - não vá lá o diabo tece-las! 

O ourives, desconhece a minha presença mas eu continuo a observar-lo. Estou sentada a um canto da sua oficina escura, mórbida e fumacenta e enquanto o observo sinto-me  intrigada com  a agilidade dos seus gestos rápidos de mão,  e na sua  arte de mexer com palavras, mas continuo sem entender o objectivo do seu árduo trabalho. A tal, conhecida difícil arte de juntar palavras.

O ourives, lê-me o pensamento, não me vê, mas sabe que existo e sabe que estou ali, sentada  a um cantinho da sua oficina, escura e fumarenta., a observa-lo.

Vejo-o agora, mais tristonho, mais pálido e de aspecto mais cansado, parece-me que desistiu, parece-me que desistiu de ser ourives, parece-me que desistiu de ser "ourives de palavras", e que nada mais tem a fazer ali, naquela oficina, pequena e bafienta, onde trabalhou toda a sua vida. A frigideira de água com sabão a borbulhar de quente, foi retirada do fogo, despiu o colete negro e sem mangas de ourives, retirou a viseira  negra colocada à roda do braço a simbolizar viuvez. Neste cenário que observo, pergunto a mim própria, porque é que quase todos os ourives, são magros e viúvos?

O ourives das palavras, cabixado e de gestos lentos, dirigi-se  á porta de entrada, e sobre a porta, coloca uma tabuleta onde escreve em letras brancas maiúsculas e feitas a giz. "Trespassasse".

Antes de sair e num movimento rápido, o ourives vira-se para trás, olha para mim sem me ver, percebe que eu não percebo a atitude dos seus gestos e diz, lançando palavras no ar para me tranquilizar: - as letras, são para ser postas, assim uma ao lado das outras, p r o m e n o r i z a d a m e n t e, diz soletrando lentamente consuantes e vogais. - e com cautela, até fazer frases, frases bonitas, frases engenheiradamente bem construídas!

O ourives, tristemente,  continua  a falar para si próprio e murmura... _ penso que perdi o jeito na arte de juntar palavras,  e acrescenta à frase. com olhos tristes e difusos: -acho que já estou  velho....
Terminando a frase, roda devagarinho a maçaneta da porta antiga da oficina, sai e bate a porta sem olhar para trás! .   

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A professora Vera

A Professora Vera.

quando era miúda, e andava na escola primária, tinha medo, mas mesmo muito medo da minha professora Vera.
Agora que tenho quarenta e três anos, e penso na Vera, recordo-a agora mais nova que eu, mas nessa altura quando eu era miúda, a professora Vera era aos meus olhos de gaiata, uma mulher de aspecto sério, sisudo, e de quase meia idade.
A professora Vera, usava tal como todos nós na escola, uma bata branca, e como penteado, uma Misse, muito bem armada e muito bem fixada, ajudando ao penteado, muitos litros de laca.  Lembro-me que era quase loira, que tinha um nariz Aquilino, e que os olhos eram quase verdes. Eu tinha medo da professora Vera, e tal como eu muitos outros miúdos da minha sala de aula, tinham  medo da professora Vera, mas não me consigo lembrar de momento nenhum que nós crianças falássemos sobre esse assunto, talvez tenhamos nos acostumado a ter medo da professora Vera, ou talvez pensássemos que seria normal naquela altura do ano de 1975, as crianças terem medo dos professores, pois naquela altura ter medo era sinal de respeito. Só sei que levei muitas reguadas e que numa sexta feira, (dia em que o padre sempre nos visitava para  pregar, o amor e a paz, entre nós os mortais pecados os), eu levei três reguadas de seguida, por ter que repetir a frase que o padre tinha acabado de recitar, e  por me ter esquecido de algumas dessas palavras. Ao escrever estas palavras, vem-me subitamente á memória, uma cena extraída de um filme de Pedro Almodôvar "má criação", mas nesse tempo, era assim! 
Por ter medo da professora Vera, tinha medo de ir á escola e odiava também a bata que a minha mãe me obrigava a usar. A minha tia, tal como a minha mãe, tinha duas filhas que eram quase da mesma idade da minha irmã e de mim ( minhas primas), então por vezes as roupas de umas ou de outras eram trocadas entre as famílias, a mim muito infortunadamente, tinha-me calhado na rifa aquela horrorosa bata branca, abetuada de lado em vez de ser abetuada atrás num laço, (como todas as batas normais das outras miúdas), então lá ia eu, sete anos, cabelo liso comprido de franja,de bata abetuada de lado, a subir a ladeira final e íngreme que levava  á pequena escola primária, a minha mãe quase sempre me acompanhava no caminho matinal de casa  para a escola,  ás vezes parávamos numa pequena padaria, que se localizava, não muito longe da escola, numa rua abaixo da ladeira (onde a escola se situava)  e comprava-me um bolo, penso que naquela altura um bolo custava cinco escudos, comprava-me quase sempre um queque ou um bolo de arroz, segundo a minha mãe, os queques e os bolos de arroz, eram os mais saudáveis, e os únicos que as crianças deviam comer, porque não tinham cremes. 
A minha mãe, não sabia que eu tinha medo da professora Vera, tal como não sabia que eu tinha medo de ir á escola, e que odiava a minha bata branca. Penso que a minha mãe simpatizava com a professora Vera, e que estava contente, por eu (tal como a minha irmã) ter passado da primeira classe para a terceira, e por ser muito inteligente, ( segundo as palavras da professora Vera) e isso claro, bastava lhe! 
No ultimo dia do ano lectivo, dava-se a avaliação e a professora Vera, decidia quem passaria de ano lectivo e quem   reprovaria. Nesse dia do "juízo final",  havia sempre um grande silencio na sala de aulas, a avaliação era dada pela professora Vera, que já se encontrava sentada numa cadeira que se situava atrás da sua secretária. Óculos postos, penteado bem ao alto, expressão séria, querendo dar ares de pessoa muito importante e culta, os miúdos chegavam um a um, muito nervosos e tímidos, acompanhados dos pais, os pais calados e sorridentes traziam nesse dia do "juízo final" muitas coisas para prendar a generosa professora Vera, como: fruta, chocolates, bolos caseiros, azeite, flores e outras iguarias, pensavam  que a professora Vera, poderia assim, (tendo em conta a grande oferta que traziam de casa), passar o filho ou a filha. Afinal de contas, (e segundo o meu pai), não é com vinagre que se apanham as moscas. 
A professora Vera aceitava as ofertas esboçando um enorme sorriso hipócrita, e umas frases curtas, pequenas e feitas á pressa,  tais como: "obrigado", "sim, claro", "eles dão muito trabalho, mas deixe lá eu faço-lhe o favor de os educar, e veja lá nem sou das piores, ás vezes dou-lhes umas valentes réguadas , mas tem que ser, só lhes faz é bem".e lá nos ia passando.
Nesse dia final de ano lectivo, quase todos passamos, eu da primeira para a terceira, (perante o imenso orgulho da minha mãe) e continuei naquela escola a apanhar réguadas até á quarta classe. Apanhei réguadas por fazer buracos no caderno, (quando apagava qualquer coisa que tinha escrito errado fazia tanta forca com a borracha, e molhava sempre a borracha de saliva , para apagar mais facilmente), que sem querer, acabava por originar buracos nas folhas dos cadernos. Também apanhava réguadas por não me lembrar de frases que teria que repetir (infelizmente sempre tive problemas de memória). 
Lembro-me que a Alice, que era uma miúda  filha de uma outra professora, uma miúda de cabelo liso e loiro  e que cheirava mal dos pés, chegou á nossa escola e entrou na nossa classe, a meio do ano lectivo,  nunca me lembro de ela ter apanhado reguada nenhuma, por mais coisas que fizesse, lembro-me também que a ela era atribuído outro tipo de tratamento por ser filha de uma professora. 
A professora Vera, essa, nunca mais a vi, ou se a vi não a reconheci. Tenho ainda guardada  numa caixa branca no meu quarto ao lado da cama, uma fotografia a preto e branco, com a minha antiga  terceira classe, estamos todos juntos, destribuidos em dois grupos de baixo para cima, (como em todas as fotografias  tiradas a classes de escola), quando olho para a foto vejo o quanto  éramos  pequenos, ao nosso lado, acima da fotografia do lado esquerdo, a  professora Vera, revelando um pequeno e sério sorriso por baixo do seu grande penteado voluptuoso.
 Nunca mais vi a professora Vera, se calhar já morreu, não sei se a visse a reconheceria, mas penso que não hesitaria em me dirigir a ela e dizer-lhe: "obrigado, porque me passou da segunda  para a terceira, mas a dor, o medo e a humilhação que me fez sentir perante todos as outras crianças, foi tão grande que ainda hoje quando penso nisso, sinto o ardor nas mãos, e o medo que se instalava em mim cada vez que eu fazia a merda dos ditos buracos nas folhas do caderno, devia ter vergonha de ter batido assim nas crianças."
 A minha  mãe claro, se se encontrasse a meu lado, logo diria: ...não tens vergonha em falar assim com a SRa  professora Vera, era tão boa pessoa! 
     

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A madame etiquetas



A Madame etiquetas, subiu a rua do Carmo, naquele fim de tarde quente de Agosto. Sabia que já era tarde,  e que já devia estar em casa, então muito apressadamente tentou se desligar do ruido do telemóvel que teimava em não parar de tocar, näo atendeu, dando em vez disso, atencão as montras das lojas, em busca de uns sapatos novos, e de uma outra coisa qualquer que a pudesse satisfazer nesse dia.
A madame etiquetas, Não precisava de sapatos novos  nem de nenhuma outra peca de roupa ou de algum outro acessório, mas o dia no escritório tinha lhe corrido mal, mesmo muito mal, entao como prova de amor a si própria, tentou se valorizar, aumentando desta forma a auto-estima, oferetando a si própria qualquer coisa, qualquer coisinha que lhe pudesse alegrar a alma nem que fosse só por alguma fraccão de segundos, pois como tantas outra coisas, compradas nesses dias complicados em que a auto estima teima em fraquejar, tinham como destino a gaveta das pecas nunca usadas, (sem sequer esta mesmo, se dar ao trabalho de lhes retirar a etiqueta).
A Madame etiquetas, era bonita, era bonita e sabia disso, sabia que quando passava pela rua, os homens a olhavam, olhavam para trás para avaliarem se a pontucão atribuida á parte da frente era mais ou  menos comparativa ao valor atribuido á parte de trás. Entäo quando pressentia estar a ser observada, erguia o troco altivamente, e orgulhosamente fingia olhar o horizonte, com um sorriso suave discreto de quem sabe que é bonito e que está a ser observado mas que não quer revelar, por não ser necessário.
O dia no trabalho, tinha corrido mal, apesar de trabalhar como secretária, há mais de seis anos numa empresa de construcão civil, e  se autotitular como uma optima funcionária, detestava o trabalho que tinha, assim como detestava os colegas de trabalho, achava que acabava por trabalhar arduamente muito mais que os restantes e ganhar nem sequer a terca parte do salário dos seus colegas, que exerciam funcões mais destacáveis  que a sua.
 Oriunda de uma familia pobre do Algarve, a Madame etiquetas era então uma rapariga ambiciosa, aos dezoito anos, mudou-se para Lisboa com o intuito de finalizar o curso de secretária e assim fugir ao trabalho arduo do campo. Foi numa dessas tardes de verão de sol muito quente, aquando passeando pela baixa, ( procurando também nesse dia de qualquer coisinha para lhe adocicar a alma) que a Madame etiquetas conheceu  Filipe. Filipe era vinte cinco anos mais velho que ela e dono de uma imobiliária. Nessa tarde quente de verão e passeando pela Rua Augusta a beleza da madame etiquetas despertou-lhe a atencão e näo foram necessários mais que dois meses que a Madame etiquetas e o Filipe casaram, grande casamento, grande boda, muitos convidados, choros da D.Celeste e do SR. Ambrósio, pais da Madame etiquetas, que vieram de um monte longinquo do algarve para ver casar a filha, e que bom casamento que fez, que alegria lhes tinha dado aquela filha unica, e prendada desde o dia que nasceu por uma beleza enigmática, digna de babar qualquer homem e  enraivecer qualquer mulher, e ainda por cima, inteligente." nunca chumbou nenhum ano", dizia a mãe da Madame etiquetas toda babada, "e ainda por cima conheceu um homem tão bom e que está muito bem na vida, e que a trata muito bem, é muito feliz", dizia.  Resumindo assim em poucas palavras, a vida feliz  e sem pontos de interrogacão, atribuida e imposta por ela própria á vida da filha.
A Madame etiquetas, continuava a caminhar pela baixa, já carregava consigo, um ou dois saquinhos recheados de pequenas coisas para a fazer feliz. A tarde já caia e a lua pequena e branca, já pairava algures discretamente no céu azul desenhado de nuvens. Já era tarde. Pensou. Devia ir para casa. Filipe tinha-lhe telefonado mais que duas vezes, mas ela tinha fingindo não escutar o telefone. Agora com trinta e tal anos, condenava-se a si própria ter casado com um homem vinte cinco anos mais velho que ela. Já näo o amava, aliás achava que nunca o tinha amado, mas a conta bancária e o charme de homem maduro e responsável, tinham falado mais alto. Amas-me?. Perguntava-lhe Filipe. "Tenho-te carinho", respondia-lhe, acariciando-lhe a nuca como se ele  fora  uma crianca que necessitasse de atencão. Sei que precisas de mimos. Acrescentava. Filipe sorria, um sorriso vago lento e estático. Sabia que ela näo o amava , mas inventava histórias na sua cabeca para poder ser feliz, para poder sobreviver, para poder acreditar que era feliz.
Em frente á porta de casa de um quinto andar num bairro novo de Lisboa, a Madame etiquetas deu duas voltas na fechadura, a porta abriu-se, apartamento grande, janelas grandes, quase imensas, quase um sonho....chamou pelo homem, chamou pelo Filipe, ninguem contestou, Filipe não respondeu, entrou na sala, os saquinhos que ainda trazia pendurados na mão, cairam, um a um, lentamente pelo chão, as pecas espalharam-se, olhou para cima, para o tecto da sala de pé alto, quase demasiadamente alto, Filipe olhava para ela, sem a ver,  olhar sem alma, vazio, pendurado na corda, corpo esticado, duro quase rigido, fato casaco azul escuro, camisa riscada ainda muito bem passada a ferro, sapato de verniz acabado de engraxar um outro caido no chão algures por outro  sitio, corpo ao alto pendurado na corda, corda grossa de prender barcos....algures ao longe no monte algarvio, soava a voz da mãe da Madame etiquetas. "A minha filha é muito feliz, tem uma boa vida, casou-se muito bem.....tem muita sorte...."
A madame etiquetas!

domingo, 11 de março de 2012

O coro

Numa das primeiras vezes que estive presente num coro de uma igreja, foi na Dinamarca.
Só muito raramente ou quase nunca, é que acredito em Deus, santos ou deuses. Mas como ás vezes sou  interesseira e cobarde, só acredito em Deus, santos e deuses, naqueles dias em que estou triste, que me sinto sozinha ou que tenho receio que algo de mau possa acontecer.
Ao meu redor, na igreja, a musica começa a tocar..e eu começo a me sentir inspirada...principalmente, quando a fusão do som do violino e da flauta transversal me ascende ao lugar dos céus. Ai encontro um lugar para poisar, algures, em cima de uma nuvem. Momentos depois, desço á terra, imaginando a mim própria, vestida de negro sentada no palco da igreja...soprando numa flauta transversal. O sonho acaba e volto á realidade. Olho a minha filha, juntamente com outras crianças, em cima, no balcão cantando no coro.... inspirando e expirando, sons agudos e sons graves. Mal a consigo ver, ainda é tão pequenina, que quem está em baixo e olha para cima, para o balcão. só conseguira ver-lhe a parte de cima da cabeça. e uma parte da franja. Enquanto canta, e para que eu a consiga ver e ela me possa olhar, eleva o corpo poisando todo o seu peso sob os bicos dos pés. Sei, que está contente que eu esteja ali,  que eu a olhe, e a escute cantar.
Levanto-me da cadeira, quero-a ver melhor....a meu lado, estão outros pais. As lágrimas teimam em cair. Falo comigo própria,  ralho para comigo. Disfarçadamente, para que ninguém se de conta. Não vais chorar aqui, no meio da igreja, pois não?.Pergunto-me, censurando-me. Abro exageradamente os olhos fixando o olhar,  sei que se baixar as palparas as lágrimas irão cair. Tudo correu bem, felizmente fui a tempo. passei por esta situação tantas vezes que já criei calo no assunto. foco o olhar novamente sob a minha filha, que do alto do balcão, teima em cruzar o seu olhar com o meu olhar, e que me diz sem palavras. Mãe obrigado por teres vindo, afinal estamos as duas tão sós como eu pensava,  todas as outras crianças trouxeram duas pessoas para as ver...também tu podias ter trazido um amigo!

Mulher Africana

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Até já!

Gostava de poder dizer-te até já. Mas sei que estou a mentir. Porque nunca mais nos vamos ver, nem falar! Já te conheço há tanto tempo, e sei decor todos os cantos do teu corpo, mas a pessoa que conheci já morreu. Então, já não te posso dizer até já!

As pernas grossas, os músculos salientes e a boca grossa, faz-me recordar-te. -És uma fatalista. Escreveste-me, Há mais de vinte anos, numa carta, talvez com o intuito de eu esquecer o extremo da minha pessoa. Escreveste-me, essas palavras, numa carta em letras pequenas, bem desenhadas e a vermelho. Gostei do pormenor da cor e das palavras e por isso guardei a carta.

Lembras-te das caixinhas de pastelaria feitas de papel? passávamos os dias, elaborando-as em cores diferentes: azuis, amarelas e encarnadas...Sabes? tenho ainda algumas guardadas em cima do parapeito da janela, mas já estão velhas e amolecidas. É que já passaram vinte anos..

Ontem foi domingo, nunca gostei de domingos, nunca gostei muito de domingos nem de dia nenhum da semana, é assim, gosto de vaguear no tempo sem ter dias. Gosto de vaguear no tempo, sem ter horas. Gosto de vaguear no tempo sem ter horas nem dias. nem sitio para voltar, porque uma casa estatal é uma prisão sem movimento... e eu gosto de vaguear  no tempo e nas palavras, e por isso fico parada e muda!

Amanhã, irei me vestir de nada e vou para a rua, como estou vestida de nada, ninguém irá reparar em mim, como estou vestida de nada, ninguém irá falar de mim, nem se rir de mim. ....como continuo, vestida de nada , ninguém irá me amar, nem me dar algum atenção, nem lugar nenhum na sociedade...
Na carta que me escrevestes. Dizias: -Não se pode viver sem amar e sem ser amado. 

Mas eu não acredito  na credibilidade dessas tuas palavras. E como tu estás morto e já não existes, e eu já não te posso dizer até já. Resolvi, então escrever-te. (em resposta à tua carta) respondi-te: "que há vinte anos que não amo e que não sou amada, mas que há vinte anos que guardo as caixinhas de pastelaria, no parapeito da janela." Tu em resposta á minha carta, escrevestes:- Gosto desse teu fatalismo, mas não reconheço a credibilidade dessas tuas palavras. E continuas escrevendo: -Só queria que me mandasses as caixinhas de pastelaria feitas de papel  de cores diferentes. E no fim acrescentavas à carta escrita:- Já que não me podes dizer até já, manda-mas então pelo correio. obrigado!

Como estava vestida de nada e não era dia nenhum da semana, nem hora nenhuma do dia e em resposta ao teu pedido, cheguei aos correios para mandar as caixinhas de pastelaria de varias cores diferentes....(como te prometi) ninguém me viu, ninguém me observou, ninguém me criticou. Estava despida de sentimentos, de virtudes e de defeitos. E tu ali, no outro lado da vida. estavas amando e sendo amado. Vestias a pele dos humanos e sufocavas nos teus defeitos e nas tuas virtudes, usufruindo um lugar na sociedade,  e eu do outro lado da vida, isenta de tudo e de nada, despida na minha pele nua, sentava-me no silencio e permanecia quieta. 

As caixinhas amolecidas de pastelaria, feitas de papel, pairavam entre as minhas mãos. Ninguém, ali me podia ajudar, pois todos desconheciam a minha presença. Fiquei só, com as caixas entre as mãos, sem virtudes e sem defeitos. Vestindo o nada, que é o traje mais simples e mais complexo de todos os trajes. Tu lá, do outro lado da vida, continuavas à espera.  Esperavas que eu te mandasse as caixinhas de papel de pastelaria, que uma vez, há mais de vinte anos, fizemos, continuaste à espera. Mas o embrulho não chegou.

 Desculpa não o puder mandar, é que nesse dia ninguém me viu...sabes  é que gosto de vaguear pelo tempo. Então, não existo. e se não existo, não te posso mandar as caixinhas de papel de pastelaria de cores diferentes. 

Tu continuas á espera, lá num outro lado da vida. Eu aqui, vestida no meu silencio. Sem te puder mandar as caixinhas de pastelaria, e sem te puder dizer até já!

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Aquilo que escrevo

Sabes Margarida? Estou assustada  mas, não consigo ler aquilo que escrevo, ainda ontem tentei, mas as palavras fugiram.
Sentei-me á margem do rio e senti a tua mão no meu ombro. Que paz. Pensei. Eu sei que só queres ser meu amigo ou meu aliado, mas também sei, que aquilo que escrevo, tu também não podes ler.
Estamos os dois cegos, de mãos dadas sentados á beira do rio. Entre nós, o livro que escrevi, e que ambos não conseguimos ler.
Esse livro não se pode ler. disseste-me tu, ontem á tarde ás vinte e três da noite. Estavas zangado. Sentado á minha frente. Estavas zangado, mas pegavas-me na mão, enquanto dizias que não conseguias ler o meu
livro.Virei-te a cara e odiei-te no momento. Chamei-te estúpido, enquanto chorava. Limpaste-me a lágrima.e disseste-me que não fazia mal. Que não faria mal, se não conseguisses ler o meu livro. Que não faria mal se ambos não conseguíssemos ler o meu livro.
Mentes-me mais uma vez. Podes parar com isso, podes parar de me mentir?. O teu sorriso é cínico. Não é verdadeiro. Sabes? a minha avó que nunca conheci, ensinou-me a ler sorrisos. Ela não está aqui neste mundo mas sim noutro. Ontem pegou-me pela mão, e voei com ela. Mostrou-me onde morava. Disse-me : Tenho um lugar no céu. Disse-me a minha avó que, nunca conheci, e que se chamava Bárbara. Vou-te ensinar a ler sorrisos. Prometeu-me a minha avó....
Gosto da casa da minha avó, juro que estou contente por ter um lugar no céu, também juro que estou contente, porque ela. A minha avó, ensinou-me a ler sorrisos. E tu feito parvo, sentado aqui á minha frente. seguras-me na mão e juras que não faz mal, não conseguires ler o meu livro. Dizes- mo enquanto sorris cinicamente.
Sabes Margarida? Estou assustada. Estou paralisada de medo. Acho que já me perdi, agora já nem consigo abrir o livro. E quanto tempo o demorei  a escrever e olha que até  é longo. É que tinha tanta coisa para contar. Estamos os dois no café, e tu ainda me seguras na mão e matas a minha lágrima. Tentas me tranquilizar. Sim. Respondo-te. " Já voltei da viagem á casa da minha avó, o caminho não é longe, apesar de ficar algures no outro lado do mundo".
Esperas-te este tempo todo por mim? olha, admiro a tua paciência, sei que és cínico mas paciente, que só sabes sorrir, sorrisos cínicos. Trago o livro comigo. Vamos tentar mais uma vez. Eu e tu e a ignorância destas minhas palavras.
Acaricias-me o cabelo, desculpando-me as palavras agrestes. Falo-te da viagem á casa da minha avó que fica no outro lado do mundo, falo-te dos sorrisos que a minha avó me ensinou a ler. Acrescento á conversa, que tenho medo do verão. Olhas-me intrigado. Achas que sou louca, quase doente mental. Levanto me da cadeira, despego-me de ti. Levantas- te da cadeira. Seguras-me com forca na minha mão. Imploras-me para que não vá, que fique ali, sentada ao teu lado com o livro fechado entre nós. Sorris. Um Sorriso cínico, daqueles sorrisos, que a minha avó que nunca conheci, me ensinou a ler. Volto-te as costas. Roubo-te o livro e atiro-o ao mar!       

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O homem elefante

 Naquele dia de inverno ameno, Luís descia as escadas do prédio nr 38 pela terceira vez. Luís vivia em   Alfama num daqueles prédio que geralmente aparecem só em fotografias de postais ilustrados.Vivia sozinho e trabalhava numa tabacaria que ficava no prédio mesmo ao lado de sua casa. Toda a sua vida tinha vivido em Alfama. 
Sendo um homem de aspecto físico mediano, calmo e de personalidade amigável, as pessoas do bairro não compreendiam, porque é que Luís nunca tinha casado ou tido uma namorada. No entanto parecia ser feliz assim, tinha um ar simpático, agradável e sorridente. Quase sempre trajando verde claro, cabelo escuro oleoso, barba muito ajeitada  sempre cheirando a agua de colónia, olhos pequenos, castanhos e expressivos.
Luis lia livros, escutava musica, descia as escadas do prédio em passos pesados, coleccionava selos e moedas. Nos sábados de manha tinha como costume ir vender velharias e antiguidades á  feira da ladra
Vendia cadernetas de selos antigos, moedas e outras pequenas coisas que ele fora coleccionando pela vida fora, enquanto empregado da tabacaria.O apartamento onde morava era numas águas furtadas, muito húmido no inverno e muito quente no verão, apartamento velho, antigo e de renda barata, pé baixo, divisões pequenas quase sombrias, varanda pequena florida e voltada para o pátio.
O bairro de alfama era assim, pacato e carismático. Nos fins de semana muito apinhado de gente
Jovens ruidosos e barulhentos, vindos de noites por findar. Turistas, que olhavam atónitos a beleza da arquitectura bairrista, pensavam, que talvez eles também ali gostavam de ter nascido, naquele pequeno mundo estranho e bizarro!
O Bairro de Alfama era frequentado e habitado por todo o tipo de pessoas:  Prostitutas vindas de leste, outras mesmo dali, arrumadores de carro, mulheres que vendiam peixe e legumes em feiras, em mercados, ou ali mesmo. Crianças, jovens, adultos, intelectuais, artistas e operários. O Bairro de Alfama era assim, um pequeno mundo, onde Luís tinha nascido e crescido e onde se sentia, cómodo seguro e  feliz.
Numa manhã, daquelas manhãs frias de nevoeiro, Luís acordou sobressaltado. Não tendo dormido bem naquela noite, a cabeça pesava-lhe e o corpo termia-lhe. Dirigiu-se. naquela manha. lentamente á casa de banho, olhou-se ao espelho e reparou numa pequena mancha azul escura que se situava ao lado do nariz, um pouco acima do lábio superior, achando estranho aquela mancha, tentou- lhe então mexer, como a jeito de a conseguir fazer desaparecer só com um simples gesto ou de descobrir a consistencia de tal estranha saliência. Mas não descobrindo nada e achando que não passava de uma simples mancha ou borbulha, tentou se esquecer do assunto. Fez a barba, salpicou-se em água de colónia, escovou os dentes, penteou-se bem penteado, tomou um comprimido para a dor de cabeça, vestiu a roupa, calcou os sapatos, deu comida ao gato,  desceu as escadas do prédio em passos pesados e dirigiu-se ao café, (como era o habitual antes de ir para o trabalho). O resto do dia não se sentiu bem, as dores de cabeça persistiram, e as pessoas questionavam-no constantemente sobre aquela mancha estranha que lhe tinha aparecido. Preocupado, chateado e irritado, Luís pediu licença ao patrão e nesse dia saiu mais cedo do trabalho. Á noite não teve vontade de ir ao café, (como era habitual), optando assim por ficar em casa. Não parava intrigado de se olhar ao espelho, questionando-se sobre aquela mancha estranha que lhe tinha aparecido, mas como não gostava de ir ao medico, achou que o mais fácil seria, adiar a visita, na esperança  de no dia seguinte se sentir melhor e a mancha  ter desaparecido. No entanto no dia seguinte as dores de cabeça persistiram e a mancha aumentou,  ocupando esta, já, uma pequena parte do lábio superior. Assustado e com o coração a bater forte e a testa a suar, Luís decidiu  falar com o patrão nesse dia para pedir o dia livre. Tinha que ir ao medico. Assim fez, desceu as escadas em passos pesados e dirigiu-se á tabacaria  para falar com o patrão.
O patrão de Luís era um homem já muito velho de aspecto tisico e frágil, óculos quadrados, calvo e com uma testa enorme em relação ao resto da cara, o patrão logo concordou e disse-lhe na sua voz fina e tremula que, com a saúde não se brincava, e que se fosse necessário o seu neto o poderia acompanhar. Combinado. Luís foi ao medico acompanhado do neto do patrão, um rapaz de onze anos que se chamava Miguel.
O medico com um olhar sério e profissional examinou ao pormenor a mancha, tocando-lhe suavemente  com a polpa dos dedos, como a medos de a poder perfurar, e assim piorar a situação. Feita a examinacão. Que durou uns cinco minutos. O médico tirou os óculos, apertou o nariz, como a modos de se  preparar para anunciar uma noticia importante e má. Afirmou que não tinha duvidas sobre o assunto, que Luís sofria de Elefantitis. Depois fez um relatório breve sobre a doença., explicando e destinguindo vários casos diferentes de Elefantitis. Disse-lhe para ter calma, mostrando-se um pouco optimista, que tudo se  resolveria. deu-lhe uma palmada suave no ombro esquerdo para conforta-lo e receitou-lhe uma pomada e uns comprimidos para a dor de cabeça. Aconselhando-o a ficar em casa e a repousar alguns dias e lá voltar  na próxima semana..

Luís, nos próximos dias seguintes, não voltou ao trabalho, tentava seguir á regra as ordens do medico. Espalhava desesperadamente a pomada sob a mancha, sempre na esperança que esta desaparecesse.
Infelizmente esta teimava em não desaparecer, espalhando-se em vários locais diferentes ao longo da  face., e Luís nunca mais voltou ao trabalho. A mancha tinha se alastrado e se transformando em várias manchas de tamanhos diferentes espalhadas por vários locais da cara, desfigurando-lhe em poucos meses as feições,   a expressão dos olhos, o nariz. Assim como, um cancro lento, astuto e maligno. Todo o lábio superior, como uma metamorfose, foi-se juntando lentamente ao nariz, formando uma película de textura grossa, nojenta, volumosa de cor azul  e coagulosa, assemelhado-se a pequenos vulcões em erupção.
A mancha tinha-se alastrado até ao olho esquerdo, que ficou obstruído e cego pelo excesso de carne.
Luís, deixou de poder trabalhar. Muitos dos amigos, deixaram de o visitar. Luís deixou de ir ao café, deixou de ir á feira da ladra, deixou de ser o Luís, alegre, sociável que todos conheciam e lentamente se foi transformando num ser triste, solitário  de aspecto físico repugnante.
A doença tinha-lhe assim, arrancado cruelmente todas as coisas boas e positivas  que um ser humano pode usufruir na vida. Transformando-o injustamente  num ser solitário,  humilhado-o á sua própria existência.
Na rua quando passava as pessoas afastavam-se, as beatas benziam-se, e as crianças fugiam assustadas.
Ontem na quarta feira, pelas cinco da tarde. Quando passei pelo café amarelo. Café situado na baixa lisboeta. Encontrei o Luís. Ali estava ele parado  na rua, ao lado do café, vestindo ainda de verde claro, face grande inchada e deformada pela doença. Parado ao lado do café, como um monstro condenado pela sua própria fealdade, á espera de ser abatido, bilhete de identidade na mão, revelando a todos, que também um dia, ele tinha sido gente. Ali estava ele...o Luís...alguns anos depois....parado ao lado do café, olhando o vazio, provocando náusea medo e repulsa a todos que passavam....Ali estava ele o Luís, expondo a sua monstrusiodade sem piedade.... bilhete de identidade na mão,.... ali estava ele o Luís...bilhete de identidade na mão....só e pedindo esmola!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Serrano.

O serrano era pai de cinco filhos e duas filhas, e vivia numa aldeia na serra, uma aldeia pequena e sombria  feita de pedra de xisto.
A família do serrano já vivia ali há muitas gerações. Pois já a mãe, o pai e os avós do serrano ali tinham nascido. A aldeia onde o serrano vivia era constituída nem mais nem menos, por umas vinte e poucas casas e por alguns palheiros, palheiros esses, que geralmente eram juntos ás casas. As casas eram todas ou quase todas juntas umas ás outras. Pequenas na sua maioria e constituídas por uma cozinha grande com  forno e um quarto ou dois que se situavam ao lado da cozinha. Abaixo da casa,  ficavam as lojas, (lojas em linguagem corrente), eram considerados os compartimentos que serviam de abrigo aos animais que ali dormiam, aquecendo assim as casas nas noites frias de inverno.
A serra era fria, quase gelada. No inverno, as mulheres quando iam lavar a roupa ao tanque, que se situava na eira, partiam o gelo podendo só assim desta forma obter água que usavam para lavar roupa e outras coisas necessárias ao dia a dia na serra. Nessa altura, (estamos a falar do ano de mil novecentos e trinta e seis) o vestuário dos homens, era simples e rudimentar. Constituído muitas vezes por uma capa feita de palha, que usavam por cima da samarra, protegendo-os assim da geada, do frio e do vento. As mulheres, essas, tal como os homens, quase sempre vestidas de negro, usavam quase todas, independente da idade, um lenço na cabeça e um xaile a cobrir-lhes a roupa. A vida na serra era difícil, porque a montanha era íngreme agreste e rochosa,  não havia transporte, e os acessos eram complicados, pois todos os caminhos eram quase todos cobertos por pedra ou terra batida. As crianças para se deslocarem á escola que se situava numa aldeia próxima, tinham que caminhar todos os dias, uma média de seis quilómetros.
Em sábados de manhã, os serranos desciam a serra em grupos de seis ou dez homens, desciam a serra até á vila que se situava a uns quinze quilómetros de distancia da aldeia, ali iam vender alguns dos legumes por eles plantados e por vezes, animais, cabras, galinhas e borregos. Terminada a venda, quase sempre se dirigiam a uma tasca, e por ali ficavam bebendo, rindo, cantando até o dia escurecer. Os serranos não eram muito populares entre os residentes da vila, pois estes achavam-nos rudes, sujos, e incivilizados e sempre prontos para desacates e conflitos. O serrano era um homem forte e alto, de feicões rudes e traços rasgados, nariz grande, cabelo cor de avelã, olhos azuis celestes e faces rosadas pelo álcool e pelo frio. Homem de poucas palavras, usando sempre frases curtas geralmente em tons imperativos, tendo assim todos ou quase todos receio dele. O serrano era um pequeno rei no seu pequeno condado, o seu condado era a aldeia que o tinha visto nascer e crescer. Os súbitos, os familiares tais como: os seus irmãos e primos que também lá viviam. Por ser grande  forte e dono de quase todas as casas e terrenos na serra, o serrano era também casado com a mulher mais bonita da aldeia, a Celeste. Celeste era uma mulher no principio dos trinta, apesar de ser mãe de sete filhos, continuava esguia e bela, possuidora de uma tez clara, cabelo negro e olhos cinzentos. Celeste era assim desta forma cobiçada por todos os homens da aldeia, pois era considerada por todos, para alem de sua  beleza (que todos cobiçavam incluindo também as mulheres) mulher de grande coração e bondade. Celeste era então, bela, calma, e generosa. Com todos estes atributos e num meio de uma hierarquia provincial fechada, era normal que o serrano cuidasse de sua mulher melhor que cuidava de si próprio, preocupava-se com que nada lhe faltasse, estando sempre atencioso ás suas necessidades e comunicando sempre com esta em linguagem de quem ama, achando que este ser amado lhe era precioso e impriscindivel á sua existência. O amor do serrano por Celeste era tão grande que por vezes este sentia-se pequeno, rude e incivilizado em relação a esta.
O serrano a mulher e os filhos viviam na casa maior da aldeia, que ficava logo á entrada da aldeia no alto dum cume. Era uma casa grande e espaçosa, também esta feita de xisto mas caiada, com vista para todas as outras  serras e para a aldeia. A casa era constituída por cinco quartos e uma sala com forno, por baixo ficavam as lojas, onde os animais viviam. Durante o dia, a mulher do serrano passeava as cabras, as vezes sozinha, outras vezes com alguns dos filhos mais pequenos, pois as tarefas mais dificies como: cortar lenha e lavrar o campo eram destinadas sempre aos filhos mais velhos. O serrano lavrava as terras, cuidava dos terrenos e assim como era  generoso com a sua esposa também era generoso com os seus filhos. Nunca lhes gritava, sempre sendo atencioso que nada lhes faltasse. Isto não era visto como coisa muito "normal" aos olhos dos outros, tendo em conta que o serrano, era conhecido por ser homem de personalidade rude, dominante e imperativa.
Ora num dia de verão do ano de mil novecentos e trinta e seis, chegou á aldeia um homem de aspecto invulgar. Este homem trajava um  fato casaco de cor castanha, usava óculos redondos e tinha cabelo negro semi comprido cortado até debaixo das orelhas. Todos na aldeia ficaram intrigados com esta presença e quiseram desta forma  todos logo saber quem seria aquele individuo e o que faria ali na aldeia,. Veio-se a saber que aquele individuo era o filho de um individuo que tinha sido professor há muito tempo atrás, na aldeia onde as crianças iam á escola, e que se encontrava ali porque queria escrever um livro, pensava. Segundo as suas palavras. Que a serra o poderia inspirar e lhe abrir horizontes para o livro que estava a escrever.O serrano orgulhoso por ser ele o mais rico da aldeia e possuidor  também da casa maior, logo convidou o escritor a permanecer em sua casa, oferecendo-lhe todos os serviços gratuitos como: casa, comida e roupa lavada, (pois não é todos os dias que um homem tem um escritor como hospede em sua casa, pensava). Assim aconteceu o filho do professor aceitou a oferta e um dos filhos do serrano, mostrou-lhe o quarto onde poderia ficar.
O escritor já estava a viver na casa do serrano há mais de um mês, gostava de ali estar, gostava do quarto onde ficava, que tinha vista para a serra, gostava da família do serrano e gostava das gentes da serra. Sendo uma pessoa que nunca ou quase nunca tinha tido contacto com a província(sempre tinha vivido em Coimbra), o escritor achava que aquela experiência que ele estava a viver, era única!, e também poderia vir a ser muito enriquecedora. Os dias passava-os assim: ora estava no quarto a escrever, ora dava passeios pela serra contemplando a natureza selvagem e agreste que o rodeava, suspirando mares de felicidade.O escritor achava a mulher do serrano, bela, inteligente e doce, sentia-se fascinada por esta mulher, e não compreendia que uma mulher como esta pudesse ali viver sendo submetida aquela situação de mãe de tantos filhos, por isso evitava quase sempre assim de lhe dirigir a palavra, e o mesmo sucedia com a mulher do serrano, esta sentia a mesma atracão pelo escritor, admirava-lhe a sabedoria das suas palavras, a engenharia das suas escritas, pois não sabia ler nem escrever, a delicadeza dos seus gestos, a sua sensatez e as suas mãos delicadas de homem que não lida com o campo. Celeste pensava que a vida a tinha enganado, que um homem como o escritor, é que ela devia ter casado. Assim, seria agora ela também uma senhora, talvez vivesse em Coimbra, e talvez fosse dona de alguma retrosaria. Os sentimentos dos dois eram assim desta forma reciprocos. Mas nem nunca o escritor tinha ousado abordar a mulher do serrano sobre a atracão que estava lhe causava, nem a mulher do serrano o tinha abordado sobre o assunto. Então no dia a dia vivam a mentira difícil de nada sentirem um pelo outro porque ambos temiam essa paixão que os sufocava e lhes mutilava as palavras aquando a sós. O serrano, esse, nada desconfiava. Sabia que a sua mulher era bela e cobiçada por muitos, mas não poderia desconfiar que um ilustre escritor e senhor da cidade pudesse ele também cobiçar Celeste que não passava de uma simples serrana lavradora e mãe de sete filhos. Ora num sábado de manha, nessas manhas em que o serrano num grupo de dez homens descia a serra até á vila para vender algumas cabras que a ele lhe tinham sido encomendadas.  Celeste e o escritor ficaram pela primeira vez a sós na casa. Os filhos do serrano encontravam-se na aldeia dispersos por sítios diferentes, alguns em casa de vizinhos brincando com outras crianças, outros a pastar cabras, outros a lavrar a horta, e outros a apanhar e a juntar lenha.
Já havia quase dois meses que o escritor vivia na casa do serrano e já havia quase dois meses que o escritor vivia aquela paixão cega de quem se sente atraído mas que está proibido de amar. Sendo os olhos o espelho da alma , não foram então necessárias palavras, para que o escritor e a mulher do serrano dissessem, naquela manha de sábado. O escritor tomou coragem e nervosamente aproximou-se de Celeste e gentilmente acariciou-lhe a face, olharam-se os dois olhos nos olhos durante muito tempo, e pela primeira vez sem emitirem palavras a mulher do serrano acariciou a mão do escritor que lhe acariciava a fase, revelando assim que também ela era reciproca nesse amor, beijaram-se num beijo longo e ardente, beijaram-se como se fosse a primeira e ultima vez, não temendo nada nem ninguém,  abstraindo-se simplesmente de tudo e todos e não ligando ao suposto facto de talvez um dos filhos do serrano e de Celeste, inesperadamente pudesse entrar em casa, ou de serem constatados por um ou outro vizinho curioso que por ali passasse.
As vezes em certos momentos na vida das pessoas a intuição pode falar muito alto, e nesse dia de sábado de manhã do ano de mil novecentos e trinta e seis a intuição do serrano falou alto demais. Enquanto este ia descendo a serra em grupo de dez homens e estando a uns dois quilómetros distante de sua casa. Dominado pela intuição que algo de errado se passava, o serrano voltou-se para trás e comentou com os outros homens que o acompanhavam que não estava a se sentir muito bem, que iria voltar para casa e se estes não se importavam de lhes vender as cabras. Assim feito e dito o serrano deu meia volta e decidiu voltar para trás em direcção á sua casa. O medo dominava-lhe os passos e a adrenalina secava-lhe a garganta. Enquanto caminhava em passos lentos mas decididos. Como quem teme o pior, como quem teme a verdade. O serrano falava consigo próprio "Coisas da tua cabeça" Pensava. "Tá parvo homem",  continuava a pensar. Como a modos de se tranquilizar a ele próprio.
E assim foi o serrano entrou em casa com o coração a bater  forte e com a boca seca de medo e de ansiedade. Deparou com Celeste que estava deitada na mesa castanha rústica e longa da cozinha. Viu o corpo semi nu e magro do escritor entrelaçado no corpo da sua mulher. Ambos estavam  seminus e beijavam-se, emitindo gemidos de amor e de prazer.
E foi num ápice que naquele ano de mil novecentos e trinta e seis numa aldeia da serra da Lousã que o serrano pegou na catana que tinha escondida entre telhas e barrotes debaixo do telhado da cozinha. Aquando louco e cego de ciumes, esquartejou até á morte, ambos o escritor e a mulher, vindo ele próprio a morrer assassinado, alguns anos mais tarde numa prisão!

domingo, 22 de janeiro de 2012

Mãe, tu bateste á porta!

Mãe, tu bateste á porta mas eu não abri...desculpa, mas é assim!....todos os segredos que guardo comigo, nunca os quiseste escutar, tens medo de ser confrontada com a verdade, sim... eu sei que ás vezes  a verdade pode doer!
Quero que neve... quero sempre que neve, sinto-me assim segura e sossegada na imensidão branca do silencio da neve!....mãe, já te disse que não te posso abrir a porta, porque insistes em  interromper o meu silencio?....não sou poeta, nem filha de ninguém, e por isso não quero abrir a porta! quero simplesmente, permanecer assim....sozinha, sossegada a respirar pensamentos, encostada na almofada do silencio...obrigado inverno, porque me ajudas a entrar nessa tua imensa tristeza, que me tranquilizas no teu frio, e me empurras na  tua solidão, fazendo-me avivar o sétimo sentido,  pode-se ser feliz, sozinho...dizes-me ao ouvindo, lançando frases fortes! desafiando a minha existência! atirando-me contra a parede! anulando a minha pessoa.... assim ...sozinha!....dizes, enquanto me embalas, e... eu adormeço... hibernando palavras,  acreditando nas tuas palavras, nos teus pensamentos e desejos.....
Mãe, não por favor não batas mais á porta!...não vês que me perturbas e me fazes acordar neste sono de inverno do qual não quero acordar...deixa-me descansar...não quero sequer pensar que tenho que me levantar e abrir a porta....sabes? a neve já cai, e continua a cair, tudo fica branco e gelado, e eu... e eu sozinha, sem a tua companhia...só eu e o inverno, e a minha mãe a bater á porta...e o silencio, silencio que é meu, que dorme todos os dias comigo na cama...não, não tenho amantes!.....sou-te fiel.. mas, não revelo a ninguém esta nossa relação...somos assim, amantes... amantes independentes...eu e o silencio...somos próximos, mas distantes!...próximos, porque nos amamos, distantes, porque somos feitos de distintas matérias.
 Tenho medo, tenho medo de me tirarem o involcro que me cobre.., desvendando, assim silêncios!, desvendado segredos!....mãe, não por favor não batas mais á porta...não vês que  estou no prazo final...não vês que  o silencio esta a acabar, e o que farei quando o inverno findar?... quem me vai embalar na noite?...quem me vai contar aos ouvidos, segredos por revelar? quem me vai embalar no silencio?
 Hiberna para sempre..diz-me suavemente, o silencio do inverno ao meu ouvido... é mais fácil...continua dizendo...e eu..anulo-me de tudo e todos, quero estar só...quero estar só, mas tenho medo que ele se vá, e que o sonho termine... no inverno tudo é mais fácil, porque tudo é mais verdadeiro...e a neve continua a cair...e a minha mãe mais uma vez bate á porta...vai te embora! digo-lhe por entre a ranhura da porta...vai te embora!...continuo-lhe a pedir docemente....mas, ela bate á porta e continua a bater....quer me levantar do silencio! quer me arrancar palavras! destapar-me do meu sono!...e eu continuo lhe a dizer...mãe, não vês que não tenho mais forca! não vês que seria  mais fácil se pudesse hibernar... se pudesse hibernar...para sempre neste silencio branco de inverno gelado!
A minha mãe bate mais uma vez á porta...e continua batendo,  mas eu não abro!.....espreito pela ranhura e vejo-a a ir-se, vejo-a a ir-se embora...vejo-a a deslizar vagarosamente, triste, cabixada.... descendo passo a  passo o degrau da escada....
Volto para dentro, deito-me ao lado do silencio, e ficamos assim, os dois juntos lado a lado de mão dada, ouvindo a respiração suave, um do outro...eu e o silencio...lá fora a neve continua a cair... a minha mãe não bate mais á porta...deixou de bater, e eu adormeço para sempre no silencio branco e gélido do inverno...escondendo segredos, hibernando histórias...hibernando histórias,  por revelar!

sábado, 21 de janeiro de 2012

Viviamos assim...

Éramos ao todo, quatro cães acorrentados. Tínhamos como dever olhar pela casa dos nossos donos. Vivíamos assim...todo o dia acorrentados. Ao sol e à chuva. A nossa casota era constituída, nem mais nem menos, simplesmente por canas, (tijolo vermelho sem ser pintado ou caiado e cimento), às vezes com sorte um plástico a cobrir a casota, (não vá a chuva cair mais forte nesse dia) e gotejar lá dentro. O chão da casota  era feito de terra solta, e em tempos de inverno gelado, em dias de sorte, palha, palha essa, que não era mudada nem todos os dias, nem todas as semanas, enfim, eu detestava aquela minha vida. 

No verão as moscas picavam-me as orelhas, até fazer feridas! mas como não me podia mexer, mais que um metro de distancia, nada ou quase nada podia evitar, que isso acontecesse. Mas o que mais me dava pena, nesta desgraça completa de ignorância e miséria humana a qual fui submetido, desde que me trouxeram para cá, aos oito meses de idade, era a minha mãe que se encontrava, ela também acorrentada e não muito longe de mim.

A minha mãe era uma cadela bonita com pedigree, a qual tinham dado o nome de Bela, porque era Bela. 
O meu pai nunca soube ao certo quem foi, mas segundo o meu aspecto físico, ou seja o meu focinho de labrador, deve ter sido ele também, cão de raça. Pois na realidade pareço uma mistura de labrador com Dálmata, mas como eu ia contando, ao principio da minha história, cada qual de nós tinha a sua casota e estávamos distribuídos por sítios diferentes no quintal, assim podíamos vigiar a casa (não vá o diabo tece-las) de diferentes ângulos, atrás, à frente e dos lados.

A minha casota, tal como a casota dos meus outros companheiros da desgraça. Tinha sido feita pelo filho mais velho dos meus donos. Eu era o Grande, a minha mãe a Bela, e os outros dois cães rafeiros, o César e o Trovão, que eu não sei bem ao certo, como ali foram parar.
Os meus donos, pessoas do campo já idosas, talvez na casa dos sessenta, com medo de assaltos, e com medo que fugíssemos para a estrada e fossemos atropelados (antes isso que viver assim), usavam-nos como vigilantes e acorrentavam-nos, dia e noite, noite e dia, verão, primavera, outono, inverno, penso, que em quatro anos que ali permaneci fui solto, (podendo andar á roda do quintal) talvez, umas cinquenta vezes.

A tigela onde comíamos, era constituída por um tijolo que tinha uma cavidade profunda no meio, era ai que a minha dona, depositava os restos do almoço ou os restos do jantar todos os dias.  As moscas sobrevoavam o prato, às vezes no verão a comida borbulhava tendo tendência para azedar, sendo o calor muito e as horas de exposição ao sol também,  faziam-na desta forma azedar. No inverno, a chuva essa, caia torrencialmente dentro do tijolo da comida,  ainda me lembro das migas com o grão à superfície a boiar na água. Confesso que detestava aquilo tudo,  tudo aquilo me metia muito nojo e ódio, e a vontade de morder uma perna ou um braço aquele que se aproximasse, crescia de dia para dia. 

Sei que me temiam por ser grande e por rosnar muito. Mas não sou violento, só me atrevi em morder a perna da minha dona uma vez na vida, (e levei logo como antídoto ao crime cometido),  uma varejada na cabeça, e a ameaça de: -hoje não há comida, por seres mau... como se a mim me importasse, ficar um dia sem comer,. Aquela comida a ferver em dias de verão no tijolo azedo. 
-deves ser muito fino,  dizia a velha às vezes, queixando-se dos dias em que me faltava o apetite, e em que eu rosnava um bocadinho, como sinal de aprovação ao comentário. Sim era fino, mas infelizmente tinha que viver ali....

Como os anos iam passando e nada acontecia, eu sentia-me como prisioneiro do meu próprio filme, a apodrecer em vida naquela prisão exterior, preso à minha condição canina de não poder  nada fazer sobre o assunto. então decidi  por mãos ao assunto, tomar medidas e actuar. As hipóteses que tinha de fuga eram escassas. A corrente era grossa e como raramente era solto, pensei que a única e ultima oportunidade seria esperar e tentar escapar na próxima oportunidade que me soltassem.
Ora num dia de Abril desses dias de Abril verdes já com cheiro a fresco e a primavera, onde o sol já espreita e o céu muito azul,  carrega algumas nuvens gordas e muito brancas, e em constante movimento, como num desenho infantil. Nesse dia, chegou numa camioneta a casa dos meus donos, o Senhor Aníbal, homem também já velho que ali ia ás vezes, vender mercearias, (coisa ainda muito típica na província), o senhor Aníbal gostava de mim e eu gostava do senhor Aníbal. Sempre que me via, vinha-me logo fazer festas na cabeça e chamava-me campeão. Sei que muitas vezes me pediu para sua companhia, mas os meus donos, para mal do meu pecados, recusaram o pedido, tendo em conta a necessidade da minha presença em "lhes guardar a casa". 

Assim que vi o senhor Aníbal  na sua camioneta cinzenta enferrujada, pensei para comigo, que se calhar desta vez, (como já tinha acontecido algumas vezes anteriores), ele me iria soltar, claro que isso só poderia acontecer com o acordo dos meus donos, então se isso acontecesse, seria talvez uma das minhas ultimas oportunidades de poder escapar, sei que iria ficar com pena de deixar a minha mãe, mas como nunca, eu e a minha mãe nada podíamos fazer juntos, apenas só nos contemplar um ao outro de longe, (visualizando assim desta forma a desgraça do destino marcado de cada um), o melhor mesmo, seria então a fuga!

O senhor Aníbal estacionou a camioneta. O trovão e o césar começaram logo a ladrar, querendo dar ares de cães muito bem mandados e fieis, que ao mínimo sinal alertam os seus donos da aproximação de alguém ou algo. Os meus donos apareceram logo vindos de dentro da casa,  a minha dona vindo mais à frente trajando  uma bata  de cor castanha floreada, limpando as mãos ao avental, o meu dono logo mais atrás, cajado na mão e boina na cabeça. Aproximaram- se ambos à camioneta do senhor Antunes, compraram o que tinha a comprar, discutindo, entretanto preços e trocando frases feitas tais como:"-a vida tá cara". "não se pode". 

Eu muito perto, ladrando um bocadinho para avivar a alma do senhor Antunes da minha pobre existência, o senhor Antunes  a responder aos meus donos, às perguntas sobre o preço dos alimentos, feitas por estes, e de vez em quando uma frase pequena dirigida a mim: - Ó campeão" dizia  -hoje tás chateado rapaz?" perguntava e acrescentava: " tás a ladrar muito, queres conversa". E eu respondia, ladrando, soltando latidos pequenos e batendo com o rabo em movimentos curtos e rapidos, pois não iria o senhor Antunes mesmo pensar, que eu estava zangado ou furioso, e ter receio de se aproximar mais de mim e ai talvez perder a escassa oportunidade do senhor Antunes pedir para me soltar: "queres conversa?", perguntava, acrescentando, enquanto recebia o dinheiro da venda das mercearias, e eu abanava a cabeça, dando pulos baixos na boa esperança de ele me ir soltar. E assim aconteceu, a pedido do senhor Antunes e com o consentimento dos meus donos fui solto nessa tarde. A minha dona ainda disse: -cuidado, senhor Antunes não vá ele fugir para a estrada! , mas ainda ela não tinha terminado a frase, já eu ia galopando como um cavalo pelo quintal a fora, deixando atrás de mim rabanadas de areia soltas no ar e pegadas fortes, de quem muito rápido corre em caminho da liberdade, correndo, correndo, sempre sem parar até ao outro lado da  maldita estrada, (causadora dos meus muitos anos de cativeiro) correndo até ao outro lado sem parar estrada a fora, pelo lado da berma, sem tempo nem coragem de olhar pra trás, ignorando as buzinelas dos carros, que achavam estranho um cão de raça, com ar abandonado, andar por ali. A ultima imagem que tenho desse dia, foi o o olhar estupefacto dos meus donos e do senhor Antunes, parados e imobilizados pelo choque brutal da minha fuga rápida e veloz!

Nunca mais soube nada da minha mãe, penso que deve ter morrido de velha, acorrentada ao destino que a perseguiu o resto da vida. Hoje já meio velhote, recordo aqui deitado aos pés do meu dono, no tapete verde da sala, ao lado da lareira, ouvindo o barulho da lenha a queimar. Recordo esse dia. Recordo...o carro amarelo limão, que parou a meu lado, para me salvar, que aquando e por falta de forcas , o corpo já não reagia e as patas deixaram de se mover. A língua de fora, expelindo baba.  E como já não podendo correr mais, parei. As crianças lá de dentro do carro, no banco de trás, curiosas a espreitar, desesperadamente, ansiosamente. Pedindo ao pai, pedindo á mãe. -mãe, -pai,  por favor! - é tão lindo! deixem-nos ficar com ele...e foi assim que entrei no carro....

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

dezassete anos

 Eu quando tinha dezassete anos, namorava  com um rapaz a quem eu e os meus amigos, chamávamos de galinha. O galinha era um rapaz de porte alto, ombros largos, com algumas pequenas sardas na face, olhos castanhos e cabelo castanho, cujo os seus pais eram oriundos de uma pequena aldeia perto de Castelo branco enquanto os meus pais do Alentejo. Aquela zona da margem sul do Tejo era assim, quase todos éramos filhos de pais que vinham de qualquer outro lugar do pais, mas quase nunca de Lisboa ou de Almada, ou mesmo da zona onde morávamos, não sei ao certo como eu e o galinha começamos a namorar mas sei que foi na altura que eu frequentava o décimo ano da escola secundária da Amora que se situava na Cruz de pau, terra que não ficava muito longe do sitio onde morava,
a minha relação com o galinha teve um prazo de relativamente dois anos, todos os dias nos víamos e todos os dias o galinha me ia visitar á escola, que ficava a poucas quadras de sua casa onde habitava sozinho com os pais, sendo pois filho único.
O galinha frequentava  o nono ano do ensino nocturno da mesma escola que eu , e como de dia, nada ou pouco tinha que fazer, ia me visitar á escola e levar, o que se chama no bom, português, antigo a "merenda", e lá vinha ele, de porte alto, cabelo muito liso, cortado  pelos ombros, mostrando os dentes alvos e brancos, traços quadrados, expelindo felicidade nos seus dezoito anos, já passaram vinte cinco anos e ainda o consigo recordar assim, alto, feliz, vestido de azul surfista, sempre de ténis, e com ar de fiel namorado, dentro de um saco de plástico, o papo seco recheado, por vezes  de paio, outras vezes de queijo, não que os meus pais não me dessem dinheiro  para almoçar, mas sim porque eu gastava muitas vezes o dinheiro do almoço em cigarros, café, bolos ou chocolates. nessa altura passávamos também, muitas vezes as tardes inteiras no café, por vezes faltando ás aulas, resumindo numa mesa de seis pessoas, permaneciam a tarde inteira, por cima da mesa, duas bicas e uma água,  as duas  bicas e a água, davam desta forma, a hipótese de nós podermos ficar (ignorando, a raiva do dono do café) longas horas á conversa no café,
O galinha fazia parte de um grupo de jovens com idades compreendidas entre os dezasseis e os dezoito anos, confesso que nunca me senti muito segura nesse grupo a qual eu parecia ter que fazer parte por ser sua namorada, nem nunca achei que tinha muito em comum, pois na realidade, eles eram os amigos do galinha,e não meus,  mas eu como gostava dele, porque ele me compreendia, mimava, e apoiava em quase tudo que eu fazia. ou que queria fazer, então mais por dever que por outra coisa qualquer, eu dedicava algum por cento da minha pessoa a esse grupo..
Num dia quente de verão, mas mesmo muito quente do dia, vinte cinco de Agosto do ano de mil novecentos  e oitenta e seis, eu tinha andado nessa semana ás voltas com a minha prima que era mais ou menos da minha idade, e que estava de ferias a passar uns dias na minha casa, e tal como eu, gostava de aventura,  ambas decidi mos fazer um trajecto á boleia com partida por Almada e destino ao Alentejo, nos anos oitenta não era muito normal a raparigas andarem á boleia em Portugal, mas não dando importância a esse pequeno detalhe, pusemos mãos ao assunto e passado duas horas (com dois minutos de espera por um condutor generoso que quis parar), chegamos ao destino combinado. Chegamos a esse destino, perante o olhar estupefacto e acusador dos nossos parentes da província, que nos olharam de alto a baixo, pensando, segundo se veio a constar mais tarde, que  "se não estaríamos drogadas" Enfim sem comentários e... terminada a viagem com regresso a Almada e paragem prévia na casa de uma amiga da minha mãe, á qual eu tinha ido vender a minha bicicleta ao neto, regressei de novo com a minha prima á Cruz de Pau a casa dos pais do galinha que no momento se encontravam de ferias em Castelo Branco, e tal como tinha combinado com ele,  nesse dia iríamos nos encontrar pelas cinco horas da tarde, á porta de sua casa. Alegrava-me o facto de nós pela primeira vez, em dois anos de sermos namorados  termos a casa disponível só para nós, e a minha prima estar comigo e alguns amigos do galinha também poder vir a estar.
Quando toquei á campainha achei estranho ele não responder, pois o galinha não era do tipo de chegar atrasado ou de não aparecer se houvesse algo marcado, e como naquela altura, nos anos oitenta, ainda não existiam os telemóveis, era difícil saber, então do seu paradeiro, passaram algumas horas talvez duas ou três e eu e a minha prima, decidimos tentar novamente, mas como ninguém respondia ao toque da  campainha, uma das vizinhas que morava no rez do chão, e que me conhecia, convidou-nos a entrar dizendo que podíamos esperar ali em sua casa em vez de estarmos á espera na rua, lembro-me que a esta altura do dia comecei-me a sentir preocupada, e a sensação de ansiedade começou-me a invadir, quando temos medo que algo de negativo tenha acontecido ou  possa vir a acontecer, sentimos quase sempre, como que uma corrente de ar gelado, mas ao mesmo tempo eletrica e quente, que começa na garganta descendo lentamente até ao estômago e ai se instalava até á exaustão do "querer saber"!
Entretanto tocaram á campainha, e dois indivíduos, um homem e uma mulher de meia idade, talvez rondando a casa dos quarenta, perguntaram pelos pais do galinha, eu expliquei-lhes que eles estavam de ferias e achando tudo muito estranho, perguntei, quem eram eles e se sabiam alguma coisa do paradeiro do galinha, tentaram me acalmar dissendo que vinham do hospital e que tudo estava bem, que o galinha e outros dois amigos tinham tido um acidente de jipe, mas que felizmente não tinha sido grave, os dois amigos no momento encontravam-se na esquadra a depor sobre o acidente, e que o galinha ainda se encontrava hospitalizado, sei que nesse momento as lágrimas começaram-me a cair involuntariamente pela cara abaixo,  e que o medo se instalou em mim, mas logo fui confortada por estes indivíduos, que acharam que o melhor seria, era eu e a minha prima irmos para casa, e telefonar-mos no dia seguinte. Já na manhã seguinte e tendo passado uma noite daquelas onde se acorda a desejar que tudo não tivesse passado de um pesadelo, contei o sucedido á minha irmã e pedi-lhe se não se importava de ser ela a telefonar, pois sentia-me exausta e peterficada de medo, embora não fossemos umas irmãs adolescentes lá muito chegadas, nem muito amigas, a minha irmã tendo em conta a minha cara de panico, aceitou a batata a ferver que eu lhe tinha imposto na mão, e terminando o telefonema que eu não quis escutar, com os olhos rasos de água e numa voz fraca e tremula de quem tem medo de falar por temer a reacao do próximo, dirigiu-se a mim , e disse " o galinha morreu". Este grande e pequeno, feliz e infeliz, capitulo da minha vida tinha terminado aqui, e como a vida das pessoas ás vezes é como um navio rubro ao mar sem saber ás vezes para onde e como navegar, por vezes entre vagões outras vezes por mares sossegados, sei que a partir desse dia o meu navio levou um outro rubro e navegou por muitos outros mares.
Passando alguns dias, ainda cochilando como se vivesse em estado de hipnose, ou então em estado vegetal, de quem mais vegeta que propriamente vive, vim a saber que afinal, que esses tais indivíduos que rondavam a casa dos quarenta e que me tinham dito, nesse fim de tarde quente do dia vinte cinco de Agosto, nos meus dezassete anos, para não me preocupar, eram  donos afinal, de uma agência funerária!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Inverno do meu descontentamento

Nos dias curtos e cinzentos de inverno da escandinava, onde o sol raramente brilha e os dias terminam cedo, por volta das quatro da tarde, ás dezanove e dois minutos exactamente da tarde de dezasseis de Janeiro do ano de 2012, lembrei-me de Maia, já fazia algum tempo que a tinha conhecido e como já não a via há imenso tempo desde a ultima vez em que trabalhei como consultora de dependências numa instituição para toxicodependentes. Lembro-me que no meu primeiro dia de trabalho em que cheguei pelas nove da manhã a esse ambulatório aonde teria que trabalhar alguns meses, pensei se na verdade  "aquilo" seria alguma coisa para mim, sempre na minha vida tive dificuldade em descobrir o que realmente gostava de fazer, talvez por gostar de fazer muitas coisas diferentes, e por achar que tinha jeito para muitas coisas mas também por achar que na realidade não tinha muito jeito para coisa alguma!
A chefe da instituição, mais ou menos da minha idade, talvez uns poucos anos mais nova que eu, informou-me logo aquando da minha chegada que a reacção das mulheres em relação a minha pessoa, não iria ser positiva, mas eu como profissional e conhecedora do assunto, teria que levar em conta a vida conflituosa que essas pessoas levavam como tal a falta de auto-confiança que lhes era atribuída no perfil de toxicodependentes, não percebi muito bem o que ela queria dizer com a conversa, e então com os olhos insinuei-lhe que gostava que fosse mais directa, que fosse direita ao assunto, e então a chefe da instituição acrescentou á nossa conversa, que achava que eu tinha bom aspecto físico e que isso provavelmente iria irritar as mulheres, não levei o comentário da chefe como um elogio ao meu aspecto físico, tendo em conta que maioria das pacientes que ali se encontravam, sofriam de todo tipo de problemas físicos e psíquicos, tais como: falta de membros superiores e inferiores, falta de dentes, Anorexia, bulemia, equizemas de pele, obesidade, enfim um leque infinito de todas as doenças existentes no nosso planeta e muito patentes na "tribo dos toxicodependente", ainda á conversa com a minha chefe, respondi-lhe para não se preocupar que se calhar agora ao principio talvez não simpatizassem comigo, mas que depois no decorrer do meu percurso a coisa se iria recompor e que eu iria fazer todo o possível e imaginário para que isso acontecesse, que as coisas terminassem bem e de uma forma positiva.
O meu trabalho no ambulatório consistia em mais coisas práticas do que propriamente em terapias cognitivas ou terapias de grupo, que eu tinha aprendido em todo o percurso do curso, pois ali não havia qualquer tipo tratamento, não havia ninguém para tratar, nem para salvar, e tal como os outros funcionários que ali trabalhavam  diziam: "...daqui só para o cemitério..." sei que isto é humor negro (não sei se escandinavo se não), mas infelizmente a realidade era essa mesma, então tomei como precaução, não me envolver sentimentalmente com ninguém, nem com homens nem com mulheres.(coisa que tinha aprendido no curso como chave de ouro para um bom sucesso profissional).
Tinha que chegar ao trabalho pelas oito da manhã, e já por esta altura se encontrava nas escadas da instituição, que se situava num primeiro andar, alguns pacientes em estado quase mórbido de abstinência, quase vomitando sentavam -se no chão das escadas á espera desesperadamente que abríssemos, alguns acompanhados com cães outros sozinhos e outros em pares de namorados. Antes que abríssemos pelas oito horas e trinta minutos da manhã, nós os funcionários, reuniamo-nos e comentávamos o estado psíquico de cada paciente, inerente ao dia anterior,  o que faríamos nesse dia e as tarefas destinadas a quem e a cada qual, terminada a reunião, eu por vezes acompanhada de algum pedagogo ou enfermeiro, dirigiamo-nos até á cozinha e preparava-mos o pequeno almoço, entretanto se não estava na cozinha a ajudar a preparar o pequeno almoço, estava na sala de enfermagem ao lado a distribuir: medicamentos, seringas, compressas, ou então a segurar na roupa destes pacientes enquanto estes se injectavam, nesta situação eu sempre com os olhos desviados para o outro lado. Terminada a sessão de filme de terror de longa metragem e com a abstinência tirada, dirigiam se á cozinha para tomarem o pequeno almoço.
Maia era uma rapariga alta, podemos mesmo dizer bastante alta, portadora de uns olhos imensamente azuis e com um peso de não mais de quarenta quilos distribuídos numa altura de um metro e oitenta, tal como o seu pai  Maia também era toxicodependente, o que se chama em linguagem técnica herança social. O seu pai encontravas se no momento hospitalizado, o que a preocupava bastante, e ao que parece e por aquilo que dela conheci, Maia tinha uma relação (dentro das circunstancias) muito perto e muito positiva com o seu pai.
 Não sei bem porquê, mas simpatizei logo com ela, não por ter pena de ser toxicodependente e ser anoretica, ou seja em termos técnicos o que se chama (diagnose dupla) mas porque ás vezes entre as pessoas existe uma certa química que nós não podemos explicar e acabamos por gostar mais de uns do que outros.  Para alem de todo o tipo de assuntos práticos na instituição também me foi distribuído a tarefa positiva e agradável de trabalhar num atelier de costura que fazia parte do projecto da instituição, como tinha estudado designe de roupa e sabia costurar, desenhar e fazer moldes, acharam que a tarefa e a responsabilidade do atelier de costura seria minha, essa tarefa consistia em por os pacientes a costurar, ou a fazer qualquer coisa com as mãos, desde arranjos, a cintos, carteiras e bolsas... Maia era das pacientes a qual que mais frequentava o atelier e por isso que mais tempo passava comigo. As vezes tinha dificuldades em  perceber o que ela dizia, porque por ser tão magra, as cordas vocais, traqueia, todo o aparelho respira tório parecia ter sido afectado pela doença, tal como a  sua pele e as suas unhas que na realidade já não existiam,  a pele das suas mãos sofria de equizemas, que cocava constantemente, originando assim feridas, que tentava disfarçar usando luvas.
Tal como eu Maia adorava roupa, então trazia todos os dias algumas pecas de roupa de sua casa entre outras algumas roubadas em lojas, segundo ela, eu tinha que as avaliar ou tentar lhe dar uma ideia com que outra peca ela poderia conjugar essa mesma peca, mas como era excessivamente magra quase toda a sua roupa tinha que ser apertada , então era quase sempre isso que fazíamos as duas juntas no atelier, ora tira daqui ora tira dali e zás! pronto! o tamanho desejado. Sempre lhe dizia que achava que devia se alimentar melhor para ganhar peso, mas Maia tal como muitas outras pessoas que sofrem de distúrbios alimentares, achava que tinha o peso certo para a altura certa , e ganhar peso seria então uma coisa desnecessária quase fútil aos olhos de Maia.  Eu nunca insistia em nada com ela e achava do meu ponto de vista que o melhor era ser feliz, no pouco tempo de vida que eu achava que lhe restava.
Num desses dias de inverno de neve, onde demorei mais que uma hora para fazer um trajecto de seis quilómetros de bicicleta, cheguei á instituição mais morta que viva com a roupa toda molhada e o cabelo muito rígido e todo branco da neve, como tinha chegado atrasada a Maia já lá estava á minha espera no atelier, mal entrei começou logo por perguntar muito aflita aonde é que eu tinha estado e porque é que tinha chegado tão atrasada, depois do meu breve comentário sobre a neve e a dificuldade em andar de bicicleta, Maia entregou-me um embrulho floreado decorado com fitas dourada, é para ti, disse sorrindo  e acrescentou que eu tinha sido a pessoa que ela mais tinha gostado que ali tinha trabalhado, dei-lhe um abraço (coisa muito típica na escandinava) e disse-lhe obrigado, desembrulhei o embrulho que consistia num vestido de verão verde, que era da Maia mas que ela já não vestia por lhe ficar grande." muito grande mesmo". Acrescentou....
Passado uns meses de ter terminado esse trabalho e estar farta de não conseguir emprego em lado nenhum, lembrei-me de dirigi-me a esse ambulatório, quase convicta que se falasse com a chefe da instituição, ela me arranjaria talvez emprego outra vez ali, á conversa com a chefe sobre a dificuldade nos dias de hoje de conseguir emprego, fui também perguntando, já no fim da conversa, pelo paradeiro de alguns dos pacientes que conheci e que mais contacto mantive, quando lhe perguntei pela Maia, a minha ex chefe disse-me com um ar triste mas muito cool, (típico de pessoas que lidam com a morte no dia a dia) que a Maia tinha morrido, fiquei triste como é óbvio e de vez em quando penso nela. Hoje no dia dezasseis de Janeiro do ano 2012 fez precisamente um ano e meio que a Maia me ofereceu o vestido verde de verão (lembro-me da data, porque um amigo meu faz anos nesse dia) e ás vinte e duas horas da noite a porta do meu guarda fato abriu se lentamente (excesso de roupa, penso...),  o vestido verde de verão que a Maia me tinha oferecido há precisamente um ano e meio atrás, caiu do armário entre várias outras pecas de roupa. Não sou supersticiosa, podemos dizer que me autointitulo por céptica, mas levantei o vestido, coloquei-o encostado a mim e com a lágrima ao canto do olho, dobrei-o bem dobrado e guardei-o para todo o sempre numa gaveta mágica...