quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Tomates só grelhados!

Olá rapariga, ouvi dizer que não gostavas de tomates...aliás ouvi dizer que até gostavas de tomates, mas de preferência só grelhados e no forno, estás sempre a fazeres-te de esquisita....não gostas de tomates, feijão verde porque tem ( fios nos lados) e língua de vaca por causa das saliências...há é verdade, esqueci-me também não gostas de arroz de cabidela, chamas-lhe os pratos canibais comidos e devorados pelos portugueses, segundo tu aqueles que tem mau gosto...mas não vim aqui falar contigo, para discutirmos comida, alias penso que nós humanos gastamos demasiado tempo das nossas vidas na elaboração de manjares, seria tudo mais fácil se por acaso, só tivéssemos que comer uma vez por mês...imagino o tempo que nos restava das nossas vidas para poder fazer outras coisas....gastamos um terço das nossas vidas a dormir e a fazer comida, que desperdício! 

Vim aqui falar contigo, um assunto sério, não precisas olhar para mim com essa cara de desconfiada, com medo que o mundo vai acabar, porque não é nada disso.....
Enquanto eu me aproximava da mesa e de ti, olhavas melancolicamente para o guardanapo que tinhas entre as mãos e que teimavas em enrolar com a ponta dos teus dedos compridos e esguios...as unhas pintadas de castanho escuro, ficavam-te bem em contraste com a tua pele muito branca e sardenta....eras quase ruiva, no fundo dos teus olhos azuis escuros e mortiços encontrei tristeza e preocupação por aquilo que eu te poderia dizer...então assim em apelo ao teu olhar e sendo solidária comigo própria,..sentei-me lentamente ao teu lado, apoiando-me levemente no teu ombro....éramos quase irmãs porem, guardávamos segredos....todas as pessoas guardam segredos e eu rapariga, tinha muitos para te contar....

Hoje dia dezoito de Janeiro do ano de mil novecentos e setenta.....tinha uma noticia importante para te contar....frente a frente sentadas na cadeira do lado de fora do café, na esplanada olhávamos uma para a outra, o vento batia-nos no cabelo fazendo-o esvoaçar e era naquele momento estático sem
som sem palavras sem gestos a única coisa viva que se sentia escutar e ver.....o empregado de mesa
quebrou o gelo entre nós quando veio cá fora perguntar se precisava-mos de alguma coisa....tu já  tinhas pedido um café, a chávena de café que bebestes ainda estava na mesa, o pequeno pacote de açúcar  aberto, quase vazio e manchado de gotas de café jazia amachucado de lado em cima da borda do pires .....

eu pedi uma água e quando o empregado voltou de novo para dentro do café, fiz-te uma caricia levando o teu cabelo fino e ralo atrás da tua orelha...este gesto incomodou-te quase ficastes envergonhada, não dissestes, não facas isso! porque eras assim, nunca dizias o que pensavas....eras demasiado gentil para seres quase minha irmã e sempre foi isso, ou quase sempre isso que nos uniu, a tua gentileza, a tua doçura que se encaixava tão bem no teu corpo leve e esguio com a minha indelicadeza quase bruta, quase masculina.....quase como um elefante passeando por uma loja de vidros, queria- te tanto irmãzinha, queria-te proteger de todos...os males do mundo, porém eu sendo quase da tua idade era mil anos mais velha que tu....a tua voz doce e suave despertou-me mais uma vez dos meus pensamentos e quando me perguntas-te afinal o que me trazia ali....eu peguei na tua mão, queria-te preparar para o que ias ouvir, juntei as cadeiras
uma frente á outra, e mais uma vez afastei o cabelo da tua cara desviando-o para trás da orelha,

desta vez não ficastes chateada, sabias que não havia tempo para isso, a curiosidade sobre a minha vinda era mais importante...então parastes  o meu gesto, seguraste-me com forca na mão e furiosa e impaciente, sendo naquele momento aquilo que nunca fostes e que sempre quisestes ser....implorastes-me que te contasse o que me trazia ali.....no fundo dos teus olhos quase feios e azuis escuros...não vi nada, não havia nada para ver, somente o vazio, o medo, e um rasto fininho de esperança, esperança em uma coisa que ambas sabíamos que era quase impossível acontecer.......bruscamente soltei a minha mão da tua e levantei-me da cadeira...a minha voz. grossa quase rouca rompeu no ar, nesse preciso momento a raiva deu-me coragem de te dizer o que tinha para te dizer há muito tempo....
Anos passaram, e nesse ano de setenta e um, tu e eu minha querida irmã, perdemos muitos amigos, e eu e tu fomos saindo, ,  para fora, sumimos do nosso pais...e nunca mais nos vimos! vim a saber há dois anos atrás que tu minha irmã tinhas  morrido algures em Inglaterra.
em qualquer lado em Inglaterra....