domingo, 24 de novembro de 2013

O cigano

O cigano tinha abandonado o autocarro e andava sozinho pelas ruas em plena madrugada, o cigano não tinha medo queria apanhar gaivotas no cais do Tejo, o seu pai tinha- lhe dito um dia que as gaivotas escutavam as nossas prezes, então ele esperava que estas escutassem as suas. O cigano estava triste, apanhava a areia mole e fina da praia em grandes punhados, levantava a mão e deixava cair a areia lentamente, quase grão a grão, por entre os dedos abertos da mão...ficou assim vários minutos, quase horas, sentado na areia do cais, vendo as gaivotas e a deixar cair lentamente a areia no ar entre os seus dedos esguios de cigano...os pescadores iam chegando á praia, e o cigano afastava-se, queria estar só!

As nuvens desenhavam no céu um desenho lilás cinzento anunciando chuva. A chuva começou a cair gota a gota, primeiro muito devagar, depois mais forte, o cigano não se mexeu, ficou imobilizado sentado na areia da praia com os olhos postos no mar e no céu, as mãos estavam enterradas na areia, não se mexia, deixava a chuva cair- lhe em cima podendo assim sentir pena de si próprio. Eu não conhecia o cigano mas já o tinha visto várias vezes acompanhado do pai. 

Do outro lado do cais eu contemplava o cigano, o cigano era agora uma silhueta pequena triste e escura que se avistava ao longe, permanecia sentado agora com a língua de fora, queria provar a chuva, queria provar as gotas da chuva....o cigano vestia negro, e ontem tinha chorado muito, o cigano já não tinha pai e tinha os olhos vermelhos mas continuava pequeno quase criança, a vida tinha- o feito adulto à forca, mas ali naquele cais o cigano ainda era criança, era ali naquele cais, que ele podia ser pequeno quase criança aquando deitava a língua de fora e lambia as gotas de água de chuva, quando enterrava as mãos na areia trazendo punhados de areia ao ar que deixava cair e esvoaçar por entre dedos.
As pessoas não gostam de ciganos, e o cigano estava só, o cigano era agora uma criança que chora sentada na areia do cais, o cigano não tinha pai talvez nem mãe, e chorava....eu, de longe, continuava a contemplar o cigano, vi o  levantar o  corpo leve e frágil e ficar de pé parado, olhando o horizonte.

  O cigano  olhava o céu e as gaivotas, esperava destas, respostas ás suas prezes e escutavas-lhe o som. Eu o cigano as gaivotas e a areia do cais estávamos juntos em harmonia pintados num quadro, Da minha existência, o cigano nada sabia, eu da dele... muito pouco...sabia que estava na areia do cais, que falava com as gaivotas e que atirava punhados de areia ao ar que os deixava cair lentamente por entre os dedos, sabia que o cigano tinha perdido o pai...ouviu-lhe os gritos no dia anterior, ouvi-lhe os gemidos da dor no dia anterior...o cigano queria um abraço,  uma palavra amiga...o cigano estava só, o cigano era uma criança que estava só na areia do cais, o cigano era uma criança que enterrava as mãos na areia do cais fazendo-a esvoaçar no ar. por entre os dedos....permanecendo só na areia do cais....