O papagaio do tio zé gato
No vale figueira, casal de Santo António, havia um papagaio, não muito
grande, nem muito colorido, tinha penas azuis, vermelhas e amarelas, era um
papagaio que todas as tardes chamava por mim... "- Mena, anda beber o leite” dizia
em voz alta, imitando a minha mãe, que todos os dias por volta das quatro da
tarde ia até ao portão verde do quintal, e chamava pelo o meu nome, eu estava
sempre lá fora na rua a brincar com as outras crianças, nessa altura, a rua onde eu brincava,
ainda era feita de areia batida....
O Casal de Santo António, era na altura um pequeno paraíso para os
miúdos, um Casal, feito de casas, quintais, cafés, garagens, árvores, montes,
montinhos, figueiras, maçãs, peras, tomates, galinhas, pombos, coelhos, cães e
gatos...as mulheres aos fins das tardes, iam até ao quintal fazer pequenos trabalhos de costura, bordados e rendas, e sentia-se a calma do
fim da tarde, o silêncio das coisas boas, o galo que canta, o barulho das
crianças o barulho do vento nas figueiras, e o sol que se põe...
Ao fundo da rua onde eu vivi até aos
quatro anos, havia uma espécie de capela muito pequenina, que se situava mesmo
no fundo da rua, num beco sem saída, exatamente onde a rua terminava, a capela
era feita de vidro, e tinha lá dentro um santo; o santo António, um santo
António triste, vestido de castanho, e como todos os santos, este também tinha uma cara
triste e um olhar humilde, olhava para cima tristemente, olhava o infinito, com os seus olhos grandes e castanhos...
Era a capela do Santo António, por isso o nome dado ao bairro, o casal de Santo António.
O papagaio do tio zé gato, vivia no café, numa espécie de gaiola aberta encostada a uma parede,
que tinha uma espécie de tabuleiro, apoio minúsculo, onde o papagaio se poisava,
tinha uma das patas presas a uma correntinha minúscula, ou para não cair ou
para não fugir, e ali estava todo o dia, a “mirar” tudo do alto, era ruidoso,
nervoso e curioso, ora soltava uma palavra, ora bicava qualquer semente,
fazendo cair uma data de cascas que muito rapidamente caiam sob as mesas onde
as pessoas estavam sentadas ou sob o chão do café, as pessoas metiam-se com
ele, e ele respondia, explindo sons e palavras soltas...comia desvairadamente as sementes que as pessoas lhe davam à boca. Lembro-me que a fachada do café, era coberta com folhas de
eucalipto a enfeitar á roda do arame que cercava todo o café...
O papagaio pertencia a um senhor, ao qual lhe chamávamos Zé gato, “o tio Zé
gato” o tio Zé gato, morava na casa que ficava ao lado
do café, não me lembro muito bem do tio Zé gato, acho que era um homem, forte e
robusto, tinha o cabelo grisalho e a pele muito vermelha, uma espécie de pai
natal, ainda tenho uma fotografia antiga do meu pai, (na altura já a cores), sentado
no café do tio Zé gato, de certeza, das primeiras fotografias tiradas a cores
na altura, na fotografia o meu pai está sentado no café do tio zé gato. O meu
pai nessa altura, teria uns trinta e nove anos, o papagaio vê-se na fotografia,
no seu poiso, por cima da mesa, onde o meu pai está sentado, o meu pai está a
sorrir na foto; ao lado da foto, também
há um cão, um cão que se chamava Rex, pobre Rex, o Rex morreu, de qualquer
problema de respiração, não conseguia respirar, disseram-me que foi um osso que
lhe entupiu a garganta; nessa altura, as pessoas não iam muito ao veterinário,
e o Rex acabou por morrer, eu era pequena , não me lembro bem dele, mas tenho
uma vaga imagem, de um cão negro e peludo...
Eu gostava muito do vale figueira, ou do casal de santo António, o vale figueira
cheirava a figos, e nós nos dias festivos íamos pedir figos, eu a minha irmã que era três anos mais
velha que eu, e mais duas ou três miúdas do bairro, íamos aos figos, a uma
quinta, a uma quinta grande situada perto de uma estrada, a uma casa muito
grande e branca. A senhora da quinta da casa branca, era muito simpática e
dava-nos sempre figos, não me lembro muito bem da sua aparência, mas lembro- me
de sentir uma espécie de adrenalina, quando eu e a minha irmã e outras miúdas
do casal, nos afastávamos e íamos até à casa branca, que ficava já fora do
casal de santo António, uma verdadeira aventura, depois voltávamos para casa aos pulos e a
correr...
Quando os meus tios e as minhas primas voltaram de África, nós, eu a minha
mãe o meu pai e a minha irmã tivemos que nos mudar, a casa era dos meus tios, e
eles voltavam a Portugal.
Fomos morar para Corroios, Corroios era um subúrbio da cidade de Almada,
Corroios era feito de prédios e não tinha tantas casas com quintais, nem os
cães, coelhos e gatos, nem as vizinhas nos quintais a fazer renda aos fins das
tardes, ou o mesmo o carteiro, que todos os dias de manhã, eu lhe perguntava, se
tinha uma carta para mim? E ele sempre respondia, "-hoje não, mas amanhã
sim.." ou o galo que te desperta, de manhã ao acordar, o vestido que sujastes sem querer, a
lagartixa que tentastes apanhar mesmo ali em frente à tua porta, as cavalitas
do meu pai num sábado à tarde nas destemidas buscas aos caracóis, o baloiço do quintal, o qual tu caíste
centenas de vezes. Nem o cheiro dos figos que o vento sempre te trazia, nem o
papagaio do tio Zé gato que todos os dias chama por ti, tudo isso desapareceu,
ficaram as recordações do vale figueira e do papagaio do tio Zé gato, numa das
fotos, eu e a minha irmã ao lado uma da outra ao lado do portão verde da
casa da minha tia, afinal o casal de Santo António, foi o sítio onde tu nascestes....