segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Até já!

Gostava de poder dizer-te até já. Mas sei que estou a mentir. Porque nunca mais nos vamos ver, nem falar! Já te conheço há tanto tempo, e sei decor todos os cantos do teu corpo, mas a pessoa que conheci já morreu. Então, já não te posso dizer até já!

As pernas grossas, os músculos salientes e a boca grossa, faz-me recordar-te. -És uma fatalista. Escreveste-me, Há mais de vinte anos, numa carta, talvez com o intuito de eu esquecer o extremo da minha pessoa. Escreveste-me, essas palavras, numa carta em letras pequenas, bem desenhadas e a vermelho. Gostei do pormenor da cor e das palavras e por isso guardei a carta.

Lembras-te das caixinhas de pastelaria feitas de papel? passávamos os dias, elaborando-as em cores diferentes: azuis, amarelas e encarnadas...Sabes? tenho ainda algumas guardadas em cima do parapeito da janela, mas já estão velhas e amolecidas. É que já passaram vinte anos..

Ontem foi domingo, nunca gostei de domingos, nunca gostei muito de domingos nem de dia nenhum da semana, é assim, gosto de vaguear no tempo sem ter dias. Gosto de vaguear no tempo, sem ter horas. Gosto de vaguear no tempo sem ter horas nem dias. nem sitio para voltar, porque uma casa estatal é uma prisão sem movimento... e eu gosto de vaguear  no tempo e nas palavras, e por isso fico parada e muda!

Amanhã, irei me vestir de nada e vou para a rua, como estou vestida de nada, ninguém irá reparar em mim, como estou vestida de nada, ninguém irá falar de mim, nem se rir de mim. ....como continuo, vestida de nada , ninguém irá me amar, nem me dar algum atenção, nem lugar nenhum na sociedade...
Na carta que me escrevestes. Dizias: -Não se pode viver sem amar e sem ser amado. 

Mas eu não acredito  na credibilidade dessas tuas palavras. E como tu estás morto e já não existes, e eu já não te posso dizer até já. Resolvi, então escrever-te. (em resposta à tua carta) respondi-te: "que há vinte anos que não amo e que não sou amada, mas que há vinte anos que guardo as caixinhas de pastelaria, no parapeito da janela." Tu em resposta á minha carta, escrevestes:- Gosto desse teu fatalismo, mas não reconheço a credibilidade dessas tuas palavras. E continuas escrevendo: -Só queria que me mandasses as caixinhas de pastelaria feitas de papel  de cores diferentes. E no fim acrescentavas à carta escrita:- Já que não me podes dizer até já, manda-mas então pelo correio. obrigado!

Como estava vestida de nada e não era dia nenhum da semana, nem hora nenhuma do dia e em resposta ao teu pedido, cheguei aos correios para mandar as caixinhas de pastelaria de varias cores diferentes....(como te prometi) ninguém me viu, ninguém me observou, ninguém me criticou. Estava despida de sentimentos, de virtudes e de defeitos. E tu ali, no outro lado da vida. estavas amando e sendo amado. Vestias a pele dos humanos e sufocavas nos teus defeitos e nas tuas virtudes, usufruindo um lugar na sociedade,  e eu do outro lado da vida, isenta de tudo e de nada, despida na minha pele nua, sentava-me no silencio e permanecia quieta. 

As caixinhas amolecidas de pastelaria, feitas de papel, pairavam entre as minhas mãos. Ninguém, ali me podia ajudar, pois todos desconheciam a minha presença. Fiquei só, com as caixas entre as mãos, sem virtudes e sem defeitos. Vestindo o nada, que é o traje mais simples e mais complexo de todos os trajes. Tu lá, do outro lado da vida, continuavas à espera.  Esperavas que eu te mandasse as caixinhas de papel de pastelaria, que uma vez, há mais de vinte anos, fizemos, continuaste à espera. Mas o embrulho não chegou.

 Desculpa não o puder mandar, é que nesse dia ninguém me viu...sabes  é que gosto de vaguear pelo tempo. Então, não existo. e se não existo, não te posso mandar as caixinhas de papel de pastelaria de cores diferentes. 

Tu continuas á espera, lá num outro lado da vida. Eu aqui, vestida no meu silencio. Sem te puder mandar as caixinhas de pastelaria, e sem te puder dizer até já!

1 comentário:

  1. gostei , até me identifiquei com o que dizes...nao conhecia essa tua faceta ..mas vou estar atenta oa que escreveres ..até já ....

    ResponderEliminar