quinta-feira, 3 de maio de 2012

A madame etiquetas



A Madame etiquetas, subiu a rua do Carmo, naquele fim de tarde quente de Agosto. Sabia que já era tarde,  e que já devia estar em casa, então muito apressadamente tentou se desligar do ruido do telemóvel que teimava em não parar de tocar, näo atendeu, dando em vez disso, atencão as montras das lojas, em busca de uns sapatos novos, e de uma outra coisa qualquer que a pudesse satisfazer nesse dia.
A madame etiquetas, Não precisava de sapatos novos  nem de nenhuma outra peca de roupa ou de algum outro acessório, mas o dia no escritório tinha lhe corrido mal, mesmo muito mal, entao como prova de amor a si própria, tentou se valorizar, aumentando desta forma a auto-estima, oferetando a si própria qualquer coisa, qualquer coisinha que lhe pudesse alegrar a alma nem que fosse só por alguma fraccão de segundos, pois como tantas outra coisas, compradas nesses dias complicados em que a auto estima teima em fraquejar, tinham como destino a gaveta das pecas nunca usadas, (sem sequer esta mesmo, se dar ao trabalho de lhes retirar a etiqueta).
A Madame etiquetas, era bonita, era bonita e sabia disso, sabia que quando passava pela rua, os homens a olhavam, olhavam para trás para avaliarem se a pontucão atribuida á parte da frente era mais ou  menos comparativa ao valor atribuido á parte de trás. Entäo quando pressentia estar a ser observada, erguia o troco altivamente, e orgulhosamente fingia olhar o horizonte, com um sorriso suave discreto de quem sabe que é bonito e que está a ser observado mas que não quer revelar, por não ser necessário.
O dia no trabalho, tinha corrido mal, apesar de trabalhar como secretária, há mais de seis anos numa empresa de construcão civil, e  se autotitular como uma optima funcionária, detestava o trabalho que tinha, assim como detestava os colegas de trabalho, achava que acabava por trabalhar arduamente muito mais que os restantes e ganhar nem sequer a terca parte do salário dos seus colegas, que exerciam funcões mais destacáveis  que a sua.
 Oriunda de uma familia pobre do Algarve, a Madame etiquetas era então uma rapariga ambiciosa, aos dezoito anos, mudou-se para Lisboa com o intuito de finalizar o curso de secretária e assim fugir ao trabalho arduo do campo. Foi numa dessas tardes de verão de sol muito quente, aquando passeando pela baixa, ( procurando também nesse dia de qualquer coisinha para lhe adocicar a alma) que a Madame etiquetas conheceu  Filipe. Filipe era vinte cinco anos mais velho que ela e dono de uma imobiliária. Nessa tarde quente de verão e passeando pela Rua Augusta a beleza da madame etiquetas despertou-lhe a atencão e näo foram necessários mais que dois meses que a Madame etiquetas e o Filipe casaram, grande casamento, grande boda, muitos convidados, choros da D.Celeste e do SR. Ambrósio, pais da Madame etiquetas, que vieram de um monte longinquo do algarve para ver casar a filha, e que bom casamento que fez, que alegria lhes tinha dado aquela filha unica, e prendada desde o dia que nasceu por uma beleza enigmática, digna de babar qualquer homem e  enraivecer qualquer mulher, e ainda por cima, inteligente." nunca chumbou nenhum ano", dizia a mãe da Madame etiquetas toda babada, "e ainda por cima conheceu um homem tão bom e que está muito bem na vida, e que a trata muito bem, é muito feliz", dizia.  Resumindo assim em poucas palavras, a vida feliz  e sem pontos de interrogacão, atribuida e imposta por ela própria á vida da filha.
A Madame etiquetas, continuava a caminhar pela baixa, já carregava consigo, um ou dois saquinhos recheados de pequenas coisas para a fazer feliz. A tarde já caia e a lua pequena e branca, já pairava algures discretamente no céu azul desenhado de nuvens. Já era tarde. Pensou. Devia ir para casa. Filipe tinha-lhe telefonado mais que duas vezes, mas ela tinha fingindo não escutar o telefone. Agora com trinta e tal anos, condenava-se a si própria ter casado com um homem vinte cinco anos mais velho que ela. Já näo o amava, aliás achava que nunca o tinha amado, mas a conta bancária e o charme de homem maduro e responsável, tinham falado mais alto. Amas-me?. Perguntava-lhe Filipe. "Tenho-te carinho", respondia-lhe, acariciando-lhe a nuca como se ele  fora  uma crianca que necessitasse de atencão. Sei que precisas de mimos. Acrescentava. Filipe sorria, um sorriso vago lento e estático. Sabia que ela näo o amava , mas inventava histórias na sua cabeca para poder ser feliz, para poder sobreviver, para poder acreditar que era feliz.
Em frente á porta de casa de um quinto andar num bairro novo de Lisboa, a Madame etiquetas deu duas voltas na fechadura, a porta abriu-se, apartamento grande, janelas grandes, quase imensas, quase um sonho....chamou pelo homem, chamou pelo Filipe, ninguem contestou, Filipe não respondeu, entrou na sala, os saquinhos que ainda trazia pendurados na mão, cairam, um a um, lentamente pelo chão, as pecas espalharam-se, olhou para cima, para o tecto da sala de pé alto, quase demasiadamente alto, Filipe olhava para ela, sem a ver,  olhar sem alma, vazio, pendurado na corda, corpo esticado, duro quase rigido, fato casaco azul escuro, camisa riscada ainda muito bem passada a ferro, sapato de verniz acabado de engraxar um outro caido no chão algures por outro  sitio, corpo ao alto pendurado na corda, corda grossa de prender barcos....algures ao longe no monte algarvio, soava a voz da mãe da Madame etiquetas. "A minha filha é muito feliz, tem uma boa vida, casou-se muito bem.....tem muita sorte...."

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