quarta-feira, 16 de maio de 2012

A professora Vera

A Professora Vera.

quando era miúda, e andava na escola primária, tinha medo, mas mesmo muito medo da minha professora Vera.
Agora que tenho quarenta e três anos, e penso na Vera, recordo-a agora mais nova que eu, mas nessa altura quando eu era miúda, a professora Vera era aos meus olhos de gaiata, uma mulher de aspecto sério, sisudo, e de quase meia idade.
A professora Vera, usava tal como todos nós na escola, uma bata branca, e como penteado, uma Misse, muito bem armada e muito bem fixada, ajudando ao penteado, muitos litros de laca.  Lembro-me que era quase loira, que tinha um nariz Aquilino, e que os olhos eram quase verdes. Eu tinha medo da professora Vera, e tal como eu muitos outros miúdos da minha sala de aula, tinham  medo da professora Vera, mas não me consigo lembrar de momento nenhum que nós crianças falássemos sobre esse assunto, talvez tenhamos nos acostumado a ter medo da professora Vera, ou talvez pensássemos que seria normal naquela altura do ano de 1975, as crianças terem medo dos professores, pois naquela altura ter medo era sinal de respeito. Só sei que levei muitas reguadas e que numa sexta feira, (dia em que o padre sempre nos visitava para  pregar, o amor e a paz, entre nós os mortais pecados os), eu levei três reguadas de seguida, por ter que repetir a frase que o padre tinha acabado de recitar, e  por me ter esquecido de algumas dessas palavras. Ao escrever estas palavras, vem-me subitamente á memória, uma cena extraída de um filme de Pedro Almodôvar "má criação", mas nesse tempo, era assim! 
Por ter medo da professora Vera, tinha medo de ir á escola e odiava também a bata que a minha mãe me obrigava a usar. A minha tia, tal como a minha mãe, tinha duas filhas que eram quase da mesma idade da minha irmã e de mim ( minhas primas), então por vezes as roupas de umas ou de outras eram trocadas entre as famílias, a mim muito infortunadamente, tinha-me calhado na rifa aquela horrorosa bata branca, abetuada de lado em vez de ser abetuada atrás num laço, (como todas as batas normais das outras miúdas), então lá ia eu, sete anos, cabelo liso comprido de franja,de bata abetuada de lado, a subir a ladeira final e íngreme que levava  á pequena escola primária, a minha mãe quase sempre me acompanhava no caminho matinal de casa  para a escola,  ás vezes parávamos numa pequena padaria, que se localizava, não muito longe da escola, numa rua abaixo da ladeira (onde a escola se situava)  e comprava-me um bolo, penso que naquela altura um bolo custava cinco escudos, comprava-me quase sempre um queque ou um bolo de arroz, segundo a minha mãe, os queques e os bolos de arroz, eram os mais saudáveis, e os únicos que as crianças deviam comer, porque não tinham cremes. 
A minha mãe, não sabia que eu tinha medo da professora Vera, tal como não sabia que eu tinha medo de ir á escola, e que odiava a minha bata branca. Penso que a minha mãe simpatizava com a professora Vera, e que estava contente, por eu (tal como a minha irmã) ter passado da primeira classe para a terceira, e por ser muito inteligente, ( segundo as palavras da professora Vera) e isso claro, bastava lhe! 
No ultimo dia do ano lectivo, dava-se a avaliação e a professora Vera, decidia quem passaria de ano lectivo e quem   reprovaria. Nesse dia do "juízo final",  havia sempre um grande silencio na sala de aulas, a avaliação era dada pela professora Vera, que já se encontrava sentada numa cadeira que se situava atrás da sua secretária. Óculos postos, penteado bem ao alto, expressão séria, querendo dar ares de pessoa muito importante e culta, os miúdos chegavam um a um, muito nervosos e tímidos, acompanhados dos pais, os pais calados e sorridentes traziam nesse dia do "juízo final" muitas coisas para prendar a generosa professora Vera, como: fruta, chocolates, bolos caseiros, azeite, flores e outras iguarias, pensavam  que a professora Vera, poderia assim, (tendo em conta a grande oferta que traziam de casa), passar o filho ou a filha. Afinal de contas, (e segundo o meu pai), não é com vinagre que se apanham as moscas. 
A professora Vera aceitava as ofertas esboçando um enorme sorriso hipócrita, e umas frases curtas, pequenas e feitas á pressa,  tais como: "obrigado", "sim, claro", "eles dão muito trabalho, mas deixe lá eu faço-lhe o favor de os educar, e veja lá nem sou das piores, ás vezes dou-lhes umas valentes réguadas , mas tem que ser, só lhes faz é bem".e lá nos ia passando.
Nesse dia final de ano lectivo, quase todos passamos, eu da primeira para a terceira, (perante o imenso orgulho da minha mãe) e continuei naquela escola a apanhar réguadas até á quarta classe. Apanhei réguadas por fazer buracos no caderno, (quando apagava qualquer coisa que tinha escrito errado fazia tanta forca com a borracha, e molhava sempre a borracha de saliva , para apagar mais facilmente), que sem querer, acabava por originar buracos nas folhas dos cadernos. Também apanhava réguadas por não me lembrar de frases que teria que repetir (infelizmente sempre tive problemas de memória). 
Lembro-me que a Alice, que era uma miúda  filha de uma outra professora, uma miúda de cabelo liso e loiro  e que cheirava mal dos pés, chegou á nossa escola e entrou na nossa classe, a meio do ano lectivo,  nunca me lembro de ela ter apanhado reguada nenhuma, por mais coisas que fizesse, lembro-me também que a ela era atribuído outro tipo de tratamento por ser filha de uma professora. 
A professora Vera, essa, nunca mais a vi, ou se a vi não a reconheci. Tenho ainda guardada  numa caixa branca no meu quarto ao lado da cama, uma fotografia a preto e branco, com a minha antiga  terceira classe, estamos todos juntos, destribuidos em dois grupos de baixo para cima, (como em todas as fotografias  tiradas a classes de escola), quando olho para a foto vejo o quanto  éramos  pequenos, ao nosso lado, acima da fotografia do lado esquerdo, a  professora Vera, revelando um pequeno e sério sorriso por baixo do seu grande penteado voluptuoso.
 Nunca mais vi a professora Vera, se calhar já morreu, não sei se a visse a reconheceria, mas penso que não hesitaria em me dirigir a ela e dizer-lhe: "obrigado, porque me passou da segunda  para a terceira, mas a dor, o medo e a humilhação que me fez sentir perante todos as outras crianças, foi tão grande que ainda hoje quando penso nisso, sinto o ardor nas mãos, e o medo que se instalava em mim cada vez que eu fazia a merda dos ditos buracos nas folhas do caderno, devia ter vergonha de ter batido assim nas crianças."
 A minha  mãe claro, se se encontrasse a meu lado, logo diria: ...não tens vergonha em falar assim com a SRa  professora Vera, era tão boa pessoa! 
     

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