terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Chamo-me Suzete

Chamo-me Suzete , tenho 58 anos e moro aqui, neste prédio que foi construído em 1945 prós lados da Graça. Moro sozinha com a minha mãe e nunca tive um namorado nem nunca fui casada, resumindo tudo numa só palavra "nunca conheci um homem".
A minha roupa cheira a naftalina  tal como a minha alma e a minha vida, tudo está impregnado na mesma substancia. Enquanto escrevo estas palavras olho e analiso lentamente o baú de pau preto que o meu tio um dia trouxe de África de uma vez que lá viveu. A analise feita por mim ao baú é profunda e minuciosa,  encontro pequenas figuras de mulheres africanas em tronco nu levando os filhos ás costas, mulheres grandes, pequenas, magras e gordas, observo as pequenas fendas na madeira que já precisava de ter sido tratada há tantos anos, a esta observação juntasse o som do tic tac do gigantesco relógio de pé branco da sala, uma vez comprado por o meu pai numa dessas idas de manhã de sábado de sol á feira do relógio e penso, penso que o meu lugar devia ser ali dentro do baú velho de pau preto ao lado dos álbuns de fotografias e dos pequenos souveniers que eu e o meu querido e falecido pai e a minha mãe compramos em algumas viagens que fizemos pela Europa. Enquanto analiso o báu, imagino a minha silhueta vestida de luto pelo meu pai falecido á oito anos, imagino a minha silhueta ali sentada e agachada timidamente ao lado dos souveniers e dos álbuns de fotografias...as lágrimas caem-me uma a seguir a outra...sou infeliz, muito infeliz mesmo, mas tenho vergonha de ser infeliz por isso nunca o disse a ninguém....é um segredo que guardo comigo.
È um prazer poder pensar, como se lançasse uma bóia ao mar e eu no meio da tempestade eu me pudesse agarrar a ela.....e salvar-me.
"Então como vai D.Suzete, está boazinha?", as perguntas parvas e vazias do costume, como se eu não  soubesse que tampouco te importas com o meu estado, comigo e com a minha mãe que ali está morrendo lentamente esticada ao longo na cama, pele dura e rija, "é só ossos...coitadinha", dizem as vizinhas. A próxima vez não lhes abro a porta. Sei que é tudo mentira, vêm aqui porque gostam de ver a morte que espreita sobre a minha mãe, esta morte lenta, fria e dolorosa que aqui entrou sem pedir licença... e ficam assim, deliciadas vendo a morte a apoderasse lentamente da minha mãe e... adoram o meu vazio, cobiçam o meu silencio, porque a elas nada lhe dou, nem lhes conto ...um sim, um não ou um talvez, obrigado e boa tarde... e saem porta fora devagarinho sem olhar para trás.. temem o meu olhar, porque sabem que nos meus olhos conseguem  ler a minha alma e sabem que eu sei que mentem.
À noite sussurro por baixo dos lencois e na penumbra da luz olho o meu corpo velho e rugoso e penso que os anos passaram. Suzete ficaste velha, feia, rugosa e magra, tão magra que posso ver as veias do meu corpo e contar as costelas do meu peito. Mas penso nele e nos beijos que trocamos, penso nas suas mãos grandes, masculinas e dominantes que me acariciavam o cabelo como se ele fosse tão leve como o vento, penso no seu sexo forte, quente e erecto que me penetrou tantas vezes e que me deu tantos momentos de prazer...."amo-te", diz-me ao ouvido, enquanto fazemos amor. Um sorriso fugaz invade-me a alma e sou feliz por uns instantes. Penso nas nossas crianças, temos três: um rapaz e duas meninas, o João, a Clarissa, e a Clara, penso no meu emprego, secretária nas finanças, o emprego dele, empregado no banco, penso na nossa casa. Adoro a nossa casa porque é grande, adoro a nossa casa porque é grande e branca e limpa e porque  tem vista pro Tejo...e eu adoro o mar...suspiro, que mais posso querer?....A voz da minha mãe soa, chama por mim....Suzeeteeee!, levanto-me da cama vou ao encontro dela, entro no quatro seguro-lhe na mão, na sua mão pequena, na sua mão magra seca e fria...e fico ali sentada a seu lado no silencio da noite, eu, a minha mãe, o silencio da noite, a morte, e o baú de pau preto que uma vez o meu tio trouxe de África!!!!

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