sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

dezassete anos

 Eu quando tinha dezassete anos, namorava  com um rapaz a quem eu e os meus amigos, chamávamos de galinha. O galinha era um rapaz de porte alto, ombros largos, com algumas pequenas sardas na face, olhos castanhos e cabelo castanho, cujo os seus pais eram oriundos de uma pequena aldeia perto de Castelo branco enquanto os meus pais do Alentejo. Aquela zona da margem sul do Tejo era assim, quase todos éramos filhos de pais que vinham de qualquer outro lugar do pais, mas quase nunca de Lisboa ou de Almada, ou mesmo da zona onde morávamos, não sei ao certo como eu e o galinha começamos a namorar mas sei que foi na altura que eu frequentava o décimo ano da escola secundária da Amora que se situava na Cruz de pau, terra que não ficava muito longe do sitio onde morava,
a minha relação com o galinha teve um prazo de relativamente dois anos, todos os dias nos víamos e todos os dias o galinha me ia visitar á escola, que ficava a poucas quadras de sua casa onde habitava sozinho com os pais, sendo pois filho único.
O galinha frequentava  o nono ano do ensino nocturno da mesma escola que eu , e como de dia, nada ou pouco tinha que fazer, ia me visitar á escola e levar, o que se chama no bom, português, antigo a "merenda", e lá vinha ele, de porte alto, cabelo muito liso, cortado  pelos ombros, mostrando os dentes alvos e brancos, traços quadrados, expelindo felicidade nos seus dezoito anos, já passaram vinte cinco anos e ainda o consigo recordar assim, alto, feliz, vestido de azul surfista, sempre de ténis, e com ar de fiel namorado, dentro de um saco de plástico, o papo seco recheado, por vezes  de paio, outras vezes de queijo, não que os meus pais não me dessem dinheiro  para almoçar, mas sim porque eu gastava muitas vezes o dinheiro do almoço em cigarros, café, bolos ou chocolates. nessa altura passávamos também, muitas vezes as tardes inteiras no café, por vezes faltando ás aulas, resumindo numa mesa de seis pessoas, permaneciam a tarde inteira, por cima da mesa, duas bicas e uma água,  as duas  bicas e a água, davam desta forma, a hipótese de nós podermos ficar (ignorando, a raiva do dono do café) longas horas á conversa no café,
O galinha fazia parte de um grupo de jovens com idades compreendidas entre os dezasseis e os dezoito anos, confesso que nunca me senti muito segura nesse grupo a qual eu parecia ter que fazer parte por ser sua namorada, nem nunca achei que tinha muito em comum, pois na realidade, eles eram os amigos do galinha,e não meus,  mas eu como gostava dele, porque ele me compreendia, mimava, e apoiava em quase tudo que eu fazia. ou que queria fazer, então mais por dever que por outra coisa qualquer, eu dedicava algum por cento da minha pessoa a esse grupo..
Num dia quente de verão, mas mesmo muito quente do dia, vinte cinco de Agosto do ano de mil novecentos  e oitenta e seis, eu tinha andado nessa semana ás voltas com a minha prima que era mais ou menos da minha idade, e que estava de ferias a passar uns dias na minha casa, e tal como eu, gostava de aventura,  ambas decidi mos fazer um trajecto á boleia com partida por Almada e destino ao Alentejo, nos anos oitenta não era muito normal a raparigas andarem á boleia em Portugal, mas não dando importância a esse pequeno detalhe, pusemos mãos ao assunto e passado duas horas (com dois minutos de espera por um condutor generoso que quis parar), chegamos ao destino combinado. Chegamos a esse destino, perante o olhar estupefacto e acusador dos nossos parentes da província, que nos olharam de alto a baixo, pensando, segundo se veio a constar mais tarde, que  "se não estaríamos drogadas" Enfim sem comentários e... terminada a viagem com regresso a Almada e paragem prévia na casa de uma amiga da minha mãe, á qual eu tinha ido vender a minha bicicleta ao neto, regressei de novo com a minha prima á Cruz de Pau a casa dos pais do galinha que no momento se encontravam de ferias em Castelo Branco, e tal como tinha combinado com ele,  nesse dia iríamos nos encontrar pelas cinco horas da tarde, á porta de sua casa. Alegrava-me o facto de nós pela primeira vez, em dois anos de sermos namorados  termos a casa disponível só para nós, e a minha prima estar comigo e alguns amigos do galinha também poder vir a estar.
Quando toquei á campainha achei estranho ele não responder, pois o galinha não era do tipo de chegar atrasado ou de não aparecer se houvesse algo marcado, e como naquela altura, nos anos oitenta, ainda não existiam os telemóveis, era difícil saber, então do seu paradeiro, passaram algumas horas talvez duas ou três e eu e a minha prima, decidimos tentar novamente, mas como ninguém respondia ao toque da  campainha, uma das vizinhas que morava no rez do chão, e que me conhecia, convidou-nos a entrar dizendo que podíamos esperar ali em sua casa em vez de estarmos á espera na rua, lembro-me que a esta altura do dia comecei-me a sentir preocupada, e a sensação de ansiedade começou-me a invadir, quando temos medo que algo de negativo tenha acontecido ou  possa vir a acontecer, sentimos quase sempre, como que uma corrente de ar gelado, mas ao mesmo tempo eletrica e quente, que começa na garganta descendo lentamente até ao estômago e ai se instalava até á exaustão do "querer saber"!
Entretanto tocaram á campainha, e dois indivíduos, um homem e uma mulher de meia idade, talvez rondando a casa dos quarenta, perguntaram pelos pais do galinha, eu expliquei-lhes que eles estavam de ferias e achando tudo muito estranho, perguntei, quem eram eles e se sabiam alguma coisa do paradeiro do galinha, tentaram me acalmar dissendo que vinham do hospital e que tudo estava bem, que o galinha e outros dois amigos tinham tido um acidente de jipe, mas que felizmente não tinha sido grave, os dois amigos no momento encontravam-se na esquadra a depor sobre o acidente, e que o galinha ainda se encontrava hospitalizado, sei que nesse momento as lágrimas começaram-me a cair involuntariamente pela cara abaixo,  e que o medo se instalou em mim, mas logo fui confortada por estes indivíduos, que acharam que o melhor seria, era eu e a minha prima irmos para casa, e telefonar-mos no dia seguinte. Já na manhã seguinte e tendo passado uma noite daquelas onde se acorda a desejar que tudo não tivesse passado de um pesadelo, contei o sucedido á minha irmã e pedi-lhe se não se importava de ser ela a telefonar, pois sentia-me exausta e peterficada de medo, embora não fossemos umas irmãs adolescentes lá muito chegadas, nem muito amigas, a minha irmã tendo em conta a minha cara de panico, aceitou a batata a ferver que eu lhe tinha imposto na mão, e terminando o telefonema que eu não quis escutar, com os olhos rasos de água e numa voz fraca e tremula de quem tem medo de falar por temer a reacao do próximo, dirigiu-se a mim , e disse " o galinha morreu". Este grande e pequeno, feliz e infeliz, capitulo da minha vida tinha terminado aqui, e como a vida das pessoas ás vezes é como um navio rubro ao mar sem saber ás vezes para onde e como navegar, por vezes entre vagões outras vezes por mares sossegados, sei que a partir desse dia o meu navio levou um outro rubro e navegou por muitos outros mares.
Passando alguns dias, ainda cochilando como se vivesse em estado de hipnose, ou então em estado vegetal, de quem mais vegeta que propriamente vive, vim a saber que afinal, que esses tais indivíduos que rondavam a casa dos quarenta e que me tinham dito, nesse fim de tarde quente do dia vinte cinco de Agosto, nos meus dezassete anos, para não me preocupar, eram  donos afinal, de uma agência funerária!

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