segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O senhor Aleixo

O senhor Aleixo vivia na Piedade ( Margem sul do rio Tejo) e era dono de um quiosque, desses quiosques onde se vende todo o tipo de coisas, desde revistas a todo o tipo de livros possíveis e imaginários,  revistas de bricolage,  revistas cor de rosa, revistas aos quadradinhos  de moda com ofertas, dessas que trazem colado á capa, para chamar a atenção do consumidor:  um bâton, uma mala, um biqui ni para a praia, um chapéu para o sol,  uns óculos de plástico ou etc e tal... O senhor Aleixo vendia também o velho clássico Borda de Agua, a Nacional Geographi, jornais, e tabacos, livros clássicos, como os bichos de Miguel Torga e os Contos da montanha... e todos os "ensaios" possíveis e imaginários do Sr: José Saramago.
 Sendo vitima de uma grande falta de cabelo, falta essa que ficava situada no alto em cima da  nuca logo por cima da testa,  tentava ocultar esse problema capilar desesperadamente, penteando o cabelo todo junto só para um lado, achando assim  que desta forma, ser mais difícil lhe reconhecer a calvice. (coisa que não acontecia como é obvio). O Senhor Aleixo, tinha sempre o cabelo oleoso e sofria de caspa crónica, a caspa caia-lhe assim como em pequenos flocos de neve tendo como paragem final os ombros, e cada vez que gesticulava ou movia o seu corpo lento, grasso e rígido, a caspa lá caia, uma atrás da outra, até aos ombros, mas eu acho que o senhor Aleixo para alem da cálvice, não ligava muito ao problema da caspa ou a outros problemas mais relevantes, ou se ligava não dava lá muitos ares de grande preocupação. Andava quase sempre vestido de cores escuras, como: azul escuro, castanho, cinzento ou preto e em cima dos papos gordos, enormes e avermelhados situados abaixo dos olhos,(papos esses de quem muito lê ou então pouco dorme), ofuscava  uns óculos de massa preta e de graduação grossa e bacia que lhe faziam uns olhos muito pequenos, estilo fundo de garrafa, dando lhe desta forma um ar  intelectual de pessoa que  muito lê e como a sua tez era clara e a sua pele era húmida e propicia a equizemas, associava eu então, o Sr Aleixo a um intelectual estilo" toupeira" pois penso que cheirava a humidade e como que quase nunca de casa saia ou se saia, nunca querendo se expor  ás diferentes temperaturas climatéricas, eu achava que o Sr Aleixo e as toupeiras tinham muito em comum. Os dias esses  passava-os assim, enfiado no seu quiosque sentado e debruçado sobre os  livros lendo e relendo e quando vinha o fregues, desviava o olhar lentamente do que estava a ler e vagarosamente levantava a cabeca, olhando para o cliente como se este o tivesse a incomodar ou lhe tivesse ousado interromper a leitura, depois limitavas se a responder ás perguntas feitas pelo fregues com frases curtas, a modos de o despachar, (mas, nunca sendo mal educado) e não dando assim desta maneira e possibilidade ao outro de prolongar conversas ou fazer outro tipo de questões que o pudesse empatar..
Ás vezes imaginava o sr Aleixo nos seus tempos de juventude nos anos sessenta, setenta, e pensava que o Sr Aleixo devia ter  feito parte de algum movimento, talvez do movimento da paz ou pertencido a qualquer partido politico com ideologia esquerdista, imaginava-o assim numa dessas revistas a preto e branco dos anos sessenta, setenta, ao lado de uma jovem, como uma protagonista de um dos filmes do Woddy Allan dos anos sessenta, de cabelos compridos claros e muito lisos, o sr Aleixo,  também de cabelos longos e já nessa altura com óculos de  fundo de garrafa, mas jovem e menos sério, ao lado de muitos outros jovens vestidos com calcas á boca de sino e colarinhos compridos e quase quadrados. Imaginava o assim, na revista em frente a uma assembleia da republica  ou a uma ou outra fabrica,  protestando qualquer coisa politica do género como: o exílio politico, a falta de liberdade de expressão e a miséria, resumindo o fascismo, que se vivia nessa altura no pais, também o conseguia imaginar no seu apartamento do rez do chão do prédio da rua Margarida, sentado no seu sofá  de napa verde fria com rebordo fininho de cor branca a sublinhar á volta, fumando cigarros de enrolar,  uns atrás dos outros, dando sempre bafadas curtas e lentas enquanto lendo,  livros esses, cujo e qual o escritor é desconhecido e anónimo por quase tudo e todos e que só pessoas como o senhor Aleixo sabem de sua existência.
Embora nunca  tivesse ido visitar o Senhor Aleixo no seu rez do chão da rua Margarida, tenho quase a certeza que a sua casa devia ter o mesmo cheiro caracteristico do quiosque como também era o seu próprio cheiro, cheiro dominante, a bafo e humidade e a papel húmido com relevo de parede, onde o sol está sempre ou quase sempre proibido de entrar.
O Senhor Aleixo vivia assim, os seus dias,  pelas nove da manha saia de casa, e passava pelo café da estrada Nacional para beber a bica, depois abria o quiosque e em movimentos lentos pendurava as revistas, entrava no quiosque, enrolava um cigarro com os seus dedos curtos, gordos e amarelos de quem fuma muito tabaco de enrolar, ponha o rádio a tocar, fechava depois á uma hora da tarde para o almoço, e depois ás três  voltava de novo, e por ali ficava até o dia se fazer noite.., e como a sua expressão era uma expressão indiferente e apática, a tudo ou a quase tudo e todos, nunca percebi bem o senhor Aleixo, como nunca consegui perceber bem se estava bem ou mal ou como estaria o seu estado de alma nesse dia.
No outro dia quando passei pela Cova da Piedade, lembrei-me do quiosque do senhor Aleixo e quis por lá passar, o quiosque encontravas se fechado, numa placa estava escrito a vermelho "trespassasse".  Como sou curiosa e gosto de saber de onde as pessoas vêm o que fazem e para onde vão, não resisti em entrar e perguntar no café onde o senhor Aleixo costumava ser cliente fixo e onde todos os dias costumava ir tomar a bica pelas oito horas da manhã, então, não hesitando entrei e perguntei se sabiam do seu paradeiro, veio-se a constatar, segundo o jovem empregado do café, que o sr Aleixo tinha sofrido de um acidente cardo vascular e que se encontrava imobilizado numa cadeira de rodas a viver num lar de terceira idade, lá prós lados do Seixal.

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